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TRAIÇOEIRO DESTINO
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018
terça-feira, 6 de novembro de 2018
terça-feira, 24 de abril de 2018
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O COMEÇO DO FIM (lIVRO ESCRITO E PUBLICADO EM 2010)
editora livre expressão
editora livre expressão
HISTÓRIA
REAL...
Esta HISTÓRIA é dedicada a
todos que
acreditam nos sonhos.
E que por eles lutam a vida
inteira.
SUMÁRIO
A
GUERRA......................................
O INÍCIO DO
AMOR........................
FAMÍLIA: A BASE
FORTE.................
VIDA SOFRIDA NO
SERTÃO SEM MAMÃE.............
SÃO PAULO E A RECONSTRUÇÃO DA MINHA
VIDA
O RECOMEÇO ATRAVÉS DO AMOR...
A AUSÊNCIA DO
HERÓI............
NUNCA CHEGARÁ O FIM. AMOR
SEMPRE PRESENTE..............
COMEÇO DO FIM.........
A GUERRA
O Brasil foi o único país da
América Latina que participou diretamente da Segunda Guerra Mundial.
A Força Expedicionária
Brasileira (FEB)
Nessa Guerra a FEB perdeu
443 homens, entre soldados e oficiais.
Todos os Estados Brasileiros
estavam representados na FEB.
Entre todos, Pernambuco.
Os pracinhas brasileiros
adotaram o distintivo “A COBRA ESTÁ FUMANDO"
João Pereira de Souza, apelido TINDÁ, nascido em três de
Junho de 1920, em Santa Cruz da Baixa Verde PE. Filho de Hermínio e Tereza.
Trabalhador rural juntamente
com seu pai e seus irmãos para o sustento da família.
No auge dos seus vinte e
quatro anos, na simplicidade da sua família, João é convocado para ir à Itália
lutar nos campos de batalha.
Tereza sua mãe fica
desesperada. E agora? O filho ir para Guerra. O que fazer? Perguntava para um,
para outro. Não existia não querer. Mas Teresa não entendia nada. Apenas
sofria.
João, como sempre muito
paciente tentava acalmar os pais. Mas, após mais um dia de trabalho de sol a
sol cansado e deitado em sua rede pensava. Como serão meus dias longe de tudo e
de todos. Muito preocupado, entretanto, não deixava isso transparecer para seus
pais. E pensava confiante. Nada Temerei... Seguirei em frente. Já que tenho que
ir, irei confiante, acredito que Deus estará sempre comigo.
Orações e promessas eram feitas
constantemente. Vizinhos também tentavam confortar seus pais. Mas, aquela
angústia ninguém conseguia tirar dos seus peitos. Para eles era como se fosse
perder um filho para sempre. Entregando-o ao mundo desconhecido. Tereza já não
dormia direito pensando em como ficaria sem o filho.
Enfim o dia do embarque para sua missão. Seu
destino naquele momento estava sendo traçado.
Todos lhe desejavam boa
sorte. E que logo estivesse de volta ao Brasil.
Seus pais tristes acenavam
para João. Em cada aceno as mãos socorriam as lágrimas que escorriam em seus
rostos. Logo João estava dentro do carro que o levaria até outra cidade para treinamentos de onde
alguns dias depois, juntamente com muitos colegas embarcariam de navio para
Itália.
Naquele momento sabia que ia
a busca do desconhecido, mundo estranho e quem sabe cruel.
João não imaginava o que
iria encontrar por lá. De uma coisa tinha certeza, que iria, mas não tinha
certeza da sua volta. Tinha que manter a fé e a esperança e acreditar que nada
se acaba assim.
Tudo tinha uma explicação.
Seu coração soluçava baixinho, explodindo de saudades, mesmo antes de ficar
distante.
A bênção pai... A bênção mãe... Adeus pai... Adeus mãe. Quem sabe um dia... Estarei de volta a essas terras
brasileiras que me viram nascer e crescer e jamais imaginaram entregar um filho
seu a outro mundo.
Com seu adeus, a tristeza
era tanta que até as folhas do velho cajueiro balançavam-se. Pareciam entender
que dali estava saindo um jovem simples e humilde, mas poderia voltar um herói.
E quem sabe Deus, poderia
até nunca mais voltar.
Adeus... Meu filho! Adeus... Meu filho! Assim
falavam seus pais.
E quando João se deu conta
alguns dias depois de dar adeus aos pais já estava dentro do navio que o
levaria para Itália. Pois a data da partida não era divulgada por motivo de
segurança.
No trajeto de dezoito dias
dentro do navio, João até que afastou o medo de conhecer terras estranhas e
ouvir a palavra GUERRA. Pois sabia que não havia alternativa. O lema de João
era.
Seguir em frente. Seguir em
frente. Vencer só DEUS é quem sabe. Muitas vezes sentia-se muito mal pelo balanço do navio quando a
ventania era forte.
Fez vários amigos. Durante
as noites se divertiam cada um contando suas histórias.
E chegando a terra firme,
deu Glória a Deus. Mas ao mesmo tempo entristeceu-se ao ver tanta destruição.
Ali olhando e sabendo que muitos brasileiros já haviam derramado seu sangue.
Naquele momento sentiu um
arrepio em todo seu corpo e lhe veio o pensamento que não voltaria vivo ao
Brasil. Sabia de certo que dias temerosos viriam.
A FEB era composta por homens de várias regiões do Brasil.
João e todos os pracinhas
tiveram que se adaptarem ao rigoroso inverno Italiano que oscilava entre 15 e 20
graus negativos. Mas tinham que enfrentarem os campos de batalhas.
Os dias demoravam passar.
Longe da família tudo era difícil. Pior ainda vendo tanta destruição e fazendo
parte dela. Seu coração sempre acelerado e angustiado.
Quando ouvia falar, hoje a COBRA VAI FUMAR, João fazia suas orações quietinho em um canto. Só Deus e seu coração ouvia.
Comunicação com a família no
Brasil se tornava muito difícil, vez em quando escrevia poucas linhas apenas
para falar que ainda estava vivo.
Cada carta recebida, seus
pais agradeciam a Deus. Sua mãe vivia ajoelhada pedindo pela proteção do filho.
Orações e Orações... e muitas promessas...
- 1945... Terminava a
Segunda Guerra Mundial...
-"Vamos voltar ao Brasil".
Frase que João e os outros receberam a notícia que a Guerra acabou.
Essa notícia foi recebida
aos aplausos, aos gritos de alegria.
Dia 04 de setembro de 1945,
João estava novamente entrando no navio para retornar ao Brasil.
E ao som de um apito que
fazia encher o coração de todos de muita alegria o navio se afastava, deixando
para trás só destruição e maldade.
E entre músicas e o Hino
Nacional João sentia-se feliz com a certeza de que agora voltaria aos braços da
família.
João estava de volta a
Pátria amada. Na sua chegada à casa dos pais, uma missa em ação de graças foi celebrada
na casinha humilde em São José de Pilotos em Santa Cruz da Baixa Verde
Pernambuco.
Muitos fogos comemorando sua
chegada. Amigos e parentes davam parabéns por ter voltado são e salvo. Tanta
história para contar, coisas que jamais se apagarão da sua memória. Alívio por
ter voltado, mas triste por tantos companheiros que por lá ficaram.
Agora junto à família,
contando tudo o que passou que lutou em terrenos montanhosos com ardor e
patriotismo. E que suportava as mudanças do tempo, inclusive os rigores do
inverno com temperatura de 20 graus negativos. Mas dominando os adversários
colhendo glórias para o Brasil.
Quantas lembranças, tantas
histórias... Um Herói... Vivo perfeito, forte e saudável.
Logo, voltava ao trabalho na lavoura com
seu pai e seus irmãos como fazia antes de ir para Guerra.
Tantas lembranças que não
queria lembrar. Mas nem por um dia, esquecia o que queria esquecer.
Agora ao lado dos pais e dos
irmãos só queria viver... Viver... E viver.
Lágrimas em seus olhos
rolavam cada vez que alguém perguntava sobre o que passou. Por alguns dias viveu
fechado dentro de si mesmo. E com muito amor dos seus pais, com o tempo foi se
reencontrando e tentando ser o mesmo homem que era anteriormente.
O Início do amor
1948... Sítio Paus
Brancos... Noite de São João. Lá fora os fogos iluminando o céu.
Os risos das pessoas, a
fogueira queimando no terreiro da casa dos pais de Nina, que estava cheio de parentes
e amigos. Regina, apelido Nina. Moça bonita e alegre entra
correndo e fala;
- Tindá! Vamos homem, o
pessoal está esperando por você.
Anda, se anima é noite de
São João.
Tindá, rapaz calado, como se
vivesse constantemente trancado em seu mundo particular. Mas já se sentia
atraído por aquela linda jovem.
Naquela noite de muito calor
e com alegria trocaram olhares. O modo com que Tindá a olhava deixava Nina
totalmente desconcertada. Nina com seu vestido rodado de cor azul e rosa, linda
aos olhos de todos. Moça bem cuidada e muito educada, filha de Dudu e Luzia,
casal de melhores condições naquela região do nordeste.
Como num conto de fadas, a
princesa cujo encanto era invejado pelas meninas daquela redondeza. Nina
percebia que Tindá a observava cada movimento que ela fazia.
Chegando mais perto de Nina,
Tindá segura sua mão e encosta seu rosto ao dela e beija sua face.
Assustada, Nina não
conseguia olhar nos olhos dele e confusa, dissera-lhe que estava com sono e de
mansinho foi se afastando. Nunca ninguém teria se atrevido a tal ponto de
beijar-lhe. Sentiu vergonha, medo e ficou encabulada com aquela situação.
Com apenas dezessete anos
Nina nunca havia namorado. Mas Tindá mexeu com seu coração.
A festa termina e Nina
naquela noite não consegue conciliar o sono, sua cabeça borbulhava de
pensamentos.
Após aquela noite de São
João, Tindá sempre arrumava um tempinho aos finais de semana principalmente aos
domingos, após assistir a missa ia dar um passeio no sítio Paus Bancos.
E sempre achava um jeito
para conversar com Nina.
Nina por sua vez ficava
feliz quando Tindá chegava. E entre uma conversa e outra, olhares apaixonados
trocavam. E nessas idas e vindas, conversas e olhares os dois deixaram de ser
só conhecidos.
Tindá naquele domingo foi
decidido falar com Nina que queria namorá-la.
Em meio ao sol que já estava
muito quente, Tindá tira seu chapéu segura a mão de Nina e fala:
- Hoje eu vim aqui para te
falar uma coisa.
- Falar o que? Nina pergunta num tom carinhoso
e com um sorriso nos lábios.
Se afastando um pouco
abaixando a cabeça Tindá não respondeu nada. Em um momento de silêncio sentiu
que era chegada a hora de falar. Não podia esperar mais.
Outra vez segurando as duas
mãos de Nina e olhando em seus olhos fala com toda clareza.
Desde que a vi naquela noite de São João
senti que estava apaixonado por você.
E com muito cuidado para não
assustá-la encosta seu rosto no dela e antes mesmo que Tindá falasse mais
qualquer palavra Nina o beija.
- Estou agindo errado? Ela pergunta com um
leve sorriso nos lábios.
Trêmulo como se fosse um
adolescente Tindá responde com um longo beijo que a deixou sem ar. Nina meio
sem jeito ainda fala:
- Eu sei o que você está querendo me dizer...
Olhando fixamente por alguns
segundos nos olhos de Nina, Tindá fala.
E com um sorriso nos lábios
e olhos brilhando de paixão fala baixinho:
- Ainda bem que você já sabe
o que eu tenho a lhe dizer. Quero namorar você.
Nina ficou imóvel por algum
tempo só olhando para ele. Um olhando para o outro e começaram a se chegarem
pertinho enquanto seus corpos se colaram em um abraço apertado e assim começava
a história de João e Regina. Ou melhor,
de Tindá e Nina.
Alguns meses depois, Tindá a
pediu em casamento. Seus pais não receberam esse pedido com muito prazer.
Afinal de contas Tindá rapaz
de boa família, trabalhador e muito educado, mas de família muito pobre. Nina
não via obstáculo nenhum. Já amava Tindá e nada a faria deixá-lo.
Os pais de Nina vendo que a
filha ficaria triste se eles não concordassem não acharam outro jeito a não ser
aceitar.
Deixando a timidez de lado, Tindá a estreita
em seus braços beijando-a longamente, selando aquele compromisso.
Agora primeiro namorado,
Nina sentia-se maravilhada e suas noites eram sempre povoadas de ótimos sonhos.
E o dia amanhecera quente e ensolarado.
Agora o silêncio da noite dava lugar ao canto dos pássaros nas árvores em volta
à casa de Nina.
Primeiros raios de sol
entrando pela janela do quarto de Nina. Distraída com seus pensamentos nem
percebe o que acontece em sua volta.
E tudo começava outra vez...
Alguns meses de namoro e resolvem
casarem-se. Nina com dezoito anos incompletos e Tindá com vinte e oito.
Dia vinte e três de janeiro de 1949, as
andorinhas voavam apressadas atravessando a torre da Igrejinha, onde era
celebrada aquela união.
Manhã de céu azul de um
domingo ensolarado, dois jovens apaixonados agora conseguiram uma certeza: de
que a felicidade, desta vez seria para sempre.
Depois da cerimônia religiosa, após os
cumprimentos, foram para casa do sítio Paus Brancos, onde os pais de Nina faziam
uma grande festa. Comes e bebes para todos os convidados.
Entre um convidado e outro,
os noivos saem de mansinho sem se despedir de ninguém.
Agora a caminho da simples
casinha onde iriam morar.
Tarde de sol, os cajazeiros
de cada lado transformavam um túnel escuro ao longo do caminho que só tinha
pedrinhas e terra solta.
Abraços e beijos a cada
passo que davam. Não tinham pressa... Agora eram um do outro e ninguém se
atrevia a atrapalhar aquele grande amor. Aquela paixão.
Nina apaixonada, seus olhos
seguiam pelo caminho, acompanhada agora pelo seu esposo.
Cansados e com respiração
ofegante, sentaram-se em um tronco para descansar. A cada passo que davam um
suspiro de felicidade.
Abraços e beijos e continuam
a caminhar.
- Vamos pelo atalho, a casa
é logo ali. Podemos atravessar o riacho para chegarmos mais depressa. - disse
Tindá acariciando o rosto de Nina.
Para atravessar o riacho,
Tindá a pegou no colo, para que Nina não escorregasse nas pedras.
A sombra fresca da casinha
simples. Agora os dois a sós. Os dias passavam e o amor aumentava.
Tindá trabalhava na lavoura
e Nina cuidava da casa. Às tardes ao retornar para o aconchego do seu simples
lar Tindá percebia o brilho no olhar de Nina. Sua amada esposa.
O dia inteiro com a enxada
na mão, e chapéu de palha na cabeça, mas Tindá não demonstrava nenhum cansaço.
Não havia tristeza, nem reclamação. Nina sempre muito cuidadosa e atenciosa.
Entre um dia e outro de
trabalho, Tindá chegava ao entardecer sempre assoviando ou sussurrando alguma
coisa. Às vezes chegava e recitava alguns versos para sua amada.
Amar é...
Morrer de medo
Da tristeza e da solidão
Amar é...
Ter o aconchego
Do amor, de uma paixão.
Amar é...
Ouvir o canto
Dos pássaros que voam no céu
Amar é...
Sentir o encanto do teu corpo junto ao meu.
Amar é...
Ver em seus olhos
O brilho de um olhar bondoso
Amar é...
Dormir no colo
Ganhar carinho e ser carinhoso.
O nosso amor é uma canção tão pura
Que não se sabe de onde vem
É uma imensa ternura
Num balanço de amor
Que vai e vem...
O nosso amor é tão verdadeiro
Perfume de flor e jasmim
Para mim é meu amor primeiro
Que sinto e guardo dentro de mim.
E nesse encanto de tanta felicidade os dias passavam na
mais perfeita harmonia.
FAMÍLIA: A BASE FORTE
Dezembro de 1949 Nina sente falha em sua
menstruação e logo conta para Tindá. Ficam felizes em saber que estava a
caminho seu primeiro filho. Não havia médico por perto. Logo a barriga de Nina
começava crescer e ela sentia as primeiras mexidas. O bebê dando sinal de vida.
E assim passavam os dias esperando o primeiro filho. E dia 24 de agosto de 1950
Nina sente muitas dores.
Deita-se em sua cama e Tindá
sai em busca da parteira. Mas quando a parteira chegou já havia nascido uma
menina de pele branquinha e cabelos escuros. Os dois ficaram deslumbrados com o
nascimento da primeira filha. Seu nome Maria do Socorro.
A vida na roça no sertão
Pernambucano era simples e muitas vezes faltavam as coisas essenciais.
Na luta de todos os dias,
mas o amor não faltava entre os dois.
Logo veio mais um filho
desta vez um menino. Forte e saudável. De nome Aguinaldo.
Tindá sempre na lavoura
trabalhando de sol a sol para o sustento da família.
O orgulho e a felicidade de
Tindá com a esposa e seus filhos era visível aos olhos de todos. A harmonia
reinava em seu lar.
Durante as noites de verão,
sua casa pequena e mal iluminada pela luz de lamparina enchia de vizinhos. As
cadeiras raramente davam para todos, e muitas vezes as senhoras sentavam em
pedras no terreiro de casa e ali passavam horas conversando e contando histórias de
suas vidas.
A única coisa que podia
oferecer era chá de folhas de laranjeiras.
Muita luta, mas Tindá sempre
pensando em dar o melhor para sua esposa e seus filhos.
Os dias passavam, mas Tindá
não via nada mudar para que eles tivessem uma vida melhor. Trabalhava,
trabalhava, mas não via lucro. Pois tudo o que colhia só dava par comer.
Certo dia, cansado da roça, a seca
castigando o nordeste, Tindá resolve conversar com a esposa.
- Nina minha querida! Estive pensando o que
fazer para melhorar esta nossa situação.
-Se nós formos para São
Paulo. Lá eu posso arrumar um emprego e a gente poderá viver melhor.
- É meu amor, estamos diante de uma situação
difícil. Ir para São Paulo sem saber o que vamos encontrar por lá, ou ficar
aqui no nordeste, sem garantias de melhoras.
Tindá e Nina preocupavam-se
com a mudança, mas nada os fazia perder a calma e a esperança de que tudo um
dia iria mudar.
Cada dificuldade os tornavam
mais apaixonados. E decidiram que iriam para São Paulo.
Foi por um desses dias de Setembro de 1952,
tarde em que o sol era tão ardente, as folhas secas se balançavam caindo no
terreiro da casinha simples que iam deixar para trás. Tindá a abraçou e com
muita calma falou:
-Tenha paciência minha querida,
tudo vai dar certo. Confie em Deus! Não quero ver tristeza nesse seu rosto
lindo.
E assim fizeram. Juntaram as
poucas roupas que tinham e foram para São Paulo.
Dentro do ônibus Nina
observava pela janela a natureza. Alguns lugares mais verdes, outros castigados
pela seca. Mas, em seu peito a esperança continuava verde.
Após vários dias de viagem
chegam a São Paulo. Pompeia. Lá não tinha alternativa a não ser trabalhar na
lavoura.
Desgostavam- se ao ouvir as
histórias dos que também haviam vindo para São Paulo e não se deram bem.
Tindá tentava não desanimar
e conformava Nina de um jeito cuidadoso e carinhoso para que ela não ficasse
triste.
Dois filhos... Uma menina de
dois anos, um menino de sete meses e Nina já estava grávida de dois meses do
terceiro filho.
Ela era tudo que Tindá
precisava, mas existia preocupação com ela e com as crianças.
1953 ... Nasce mais um filho,
menino fraquinho, que inspirava cuidados. Eugênio... Agora mais um filho. Cada
dia as despesas iam aumentando.
Apesar de muito esforço,
Tindá via toda sua luta escaparem-se pelos dedos.
Assim diante de tanta
dificuldade Nina começava então a ficar triste
E vez em quando Tindá a
pegava chorando. Ver sua amada triste não o fazia sentir-se bem. Pois seu único
objetivo era tentar sempre melhorar e correr atrás dos sonhos, mesmo que
sentisse O COMEÇO DO FIM não
desistia. A esperança e a companhia de sua esposa e de seus
filhos eram o conforto para seus sonhos continuarem.
Em sua tristeza Nina logo
que deu a luz e não vendo mudança em nada, sem perspectiva achava que não tinha outro
jeito e chegando pertinho de seu esposo fala sem titubear.
- Tindá, eu quero voltar
para o nordeste. Mesmo que lá as coisas sejam ruins ainda é melhor do que aqui.
Com um ar de tristeza no
rosto, mas para ver um sorriso nos lábios de Nina, Tindá fixa seu olhar no
dela, segura seu queijo a beija e fala:
- Vamos sim meu amor, logo
providenciaremos tudo.
Passavam noites em claro por
sentirem infelizes, sem que essa infelicidade contribuísse para diminuir o amor
um pelo outro.
Mesmo Tindá concordando em
voltar para o nordeste, ele ainda queria tentar um pouco mais. Ele não queria
desistir. Sempre havia uma luz de esperança em seu coração.
E com muito diálogo entre
muitos porquês resolveram tentar mais um pouco.
Tindá nessas procuras de
melhorias arrumou um emprego numa fábrica até então “LEITE PAULISTA”.
Mas mesmo assim as
dificuldades continuavam.
Em sua tristeza e já sem forças para
continuar aceitando aquela situação Nina resolveu frequentar a Igreja
Evangélica, tentando encontrar um consolo para suas aflições.
Os meses, os dias, as horas
passavam e nada mudava. Salário pouco e muitas despesas.
- Tenho pensado muito no que
seria melhor para nós dois e nossos filhos. Disse Tindá ar preocupado e com o rosto sombrio e
os olhos cheios de lágrimas.
- Sim, tenho medo de que as
coisas possam vir a ficar piores do que já estão. As coisas estão se tornando
cada vez mais difíceis para nós.
- Isso não Tindá! As coisas
não podem ficar piores do que já estão.
Nina respondia com um tom
sereno, mas com receio de tudo.
E entre dúvidas e incertezas
resolveram voltar para Pernambuco.
E aí... Santa Cruz da Baixa
Verde, outra vez nordeste Pernambucano. Outra vez na lavoura. Esperando chuva,
terra arada esperando o plantio.
Algum tempo depois, nasce
mais um filho, esse veio a falecer com sete meses de idade.
Época em que não existia
médico por perto, filhos nasciam em casa com a ajuda de parteiras. Não existia
um planejamento familiar.
Assim era um filho, outro
filho e mais um filho...
A vida de Nina e Tindá não era fácil nem
agradável..
Depois que tinham o que
comer todos aliviados, esforçavam-se para esquecer os dias de idas e vindas.
A vida na lavoura
continuava.
Terra arrendada.
Logo vieram dias de chuva. A
casa fria e úmida deixava passar correntes de ar pelos andaimes. Goteiras por
toda parte.
Com as chuvas, a esperança
de uma boa colheita. O plantio de milho e o feijão iam começar. O que importava
era ter comida para não passarem fome.
O fogão a lenha. No terreiro
os gravetos amontoados prontos para serem queimados.
Tarde
do dia 07 de Fevereiro de 1957, quinta-feira, Nina sente dores. Mais um filho
estava para chegar a esse mundo.
Às pressas, montando o seu jumento
sem sela, Tindá, pernas finas, chinelos de dedos, parecia uma criança galopando
pelos caminhos empoeirados cheios de pedras e ladeiras.
Na ansiedade, no desconforto
na pressa cai do jumento levanta-se monta outra vez e vai sem perceber que
havia machucado uma perna.
Apenas queria encontrar a
parteira dona Joana em casa.
Enfim consegue levar a
parteira a tempo.
Parteira chega, nasce com
sua ajuda uma loirinha de olhos azuis.
Muito felizes pelo
nascimento de mais uma filha.
Maria do Carmo. Eu chegava a
esse mundo perfeita e saudável.
Criança calma, muito serena
e sem se dar conta, Nina, agora minha mamãe
amamentava-me sem tirar o olhar do meu rosto que por várias vezes nem ouvia os
gritos das outras crianças.
Feliz com o nascimento de
mais um filho, Tindá, agora meu papai
levava seus pensamentos a Deus... Pedindo força e que Deus mandasse chuva para
que tudo florescesse. Pois, quando a chuva não vinha perdia-se tudo o que se
plantava.
Há algum tempo papai
planejava em ir embora para o Maranhão e se a chuva não viesse tinha que
procurar melhorias.
No Maranhão, lá já estavam
seus pais e sua irmã Alzira.
Pará lá e para cá... Pará lá e
para cá, tentando a vida melhorar.
Após alguns meses depois do
meu nascimento papai chega cansado da roça, coloca sua enxada no chão entra
pela porta da cozinha e ver os filhos próximos ao fogão junto a mamãe esperando
o jantar.
Abraçou mamãe e beijou cada
filho e num tom cansado bateu no peito e falou.
“Hei de vencer meus filhos, e não deixar
mais vocês passarem tantas necessidades.”
Abaixou a cabeça e secou as
lágrimas com a aba da camisa.
Mamãe olhou para ele, não
deu resposta, mas pensou: “Nessas idas e vindas quem sabe um dia você vencerá.”
Depois de muito conversarem, embora meio
temerosos de enfrentar uma viagem longa com quatro crianças, decidiram viajarem
para o Maranhão.
Maio de 1959... O pau de arara na estrada esburacada,
levando eu, Socorro, Naldo, Gino, mamãe e papai.
Os dois em silêncio deixando
outra vez a seca para trás. Não havia movimento algum na estrada poeirenta. E
só Deus sabia o que íamos encontrar e quanto papai e mamãe teriam que trabalhar
para nos sustentar. Quantos sonhos! Mas a esperança e a fé não os deixavam desanimar.
Dezessete dias de viagem em
cima daquele pau de arara. Enfim, chegamos em D. Pedro, cidade do Estado do
Maranhão.
Não, não queriam chorar! Sentiam o mesmo
aperto no peito e uma lágrima presa na garganta que se repetia toda vez que
chegavam a um novo lugar.
Tudo para eles era incerto.
De um lugar para outro, procurando melhores condições de vida.
Eu e meus irmãos nada entendíamos, apenas
queríamos estar juntinhos ao papai e a mamãe.
Enfim, chegamos... Meus avós
pais de papai e minha tia Alzira irmã dele já moravam no Maranhão e estavam a
nossa espera.
Eu tinha dois anos de idade e
ainda mamava o peito.
Por um momento mamãe
sentou-se em um caixote para me amamentar e naquele silêncio relembrava os dias
que passara em cima daquele pau de arara.
Maranhão, terra de plantio
de arroz.
Logo papai foi trabalhar na
lavoura e mamãe foi ser professora de algumas crianças. Apenas ensinava ler e
escrever.
Cada dia que amanhecia davam
graças a Deus. Tinham agora ao menos um meio de ir alimentando os filhos.
Era costume arrendar as
terras. Tudo o que se colhia era dividido com os donos.
Alimentavam sempre a
esperança de que ali iriam tirar o sustento para todos.
Tindá, papai, homem honesto,
trabalhador, simples, e na sua humildade não se ouvia reclamar de nada. Na sua
calma, sempre procurava encontrar a melhor maneira para resolver os problemas.
Meus avós, Hermínio e Tereza
sempre nos ajudava no que podiam.
1961... Eu já havia completado quatro anos.
Mamãe dá a luz a mais um filho. Menino fraquinho... Parecia um brinquedo de tão
pequenino. José Vitoriano (Zezinho)
Papai estava muito contente,
preparava o nosso almoço. Fogão a lenha, panela de barro no fogo cozinhando o
xerém para fazer o angu.
Mas na empolgação do nascimento
de mais um filho deixou o angu queimar, esqueceu a panela no fogo. Pois estava
ajudando mamãe dar banho no bebê.
Eu, com meus quatro anos
queria mamar o peito e não deixava o bebê mamar.
Para que eu continuasse
mamando o peito, mamãe pediu que uma senhora vizinha que tinha dado a luz
também, amamentasse meu irmãozinho.
Eu chorava muito para mamar
e não entendia que o peito era para o bebê.
Já estávamos a mais de três anos no
Maranhão, mas a seca começava castigar também aquelas terras.
Se a vida até então era sem
garantias e apreensiva, tornava-se agora mais difícil.
Por mais que lutasse, o que
conseguia mal dava para sobreviver.
Quando se pensava que tudo
estava melhorando, a seca vinha para estragar.
1962... Mais uma vez todos
em cima de um pau de arara. Outra vez dezessete dias de viagem de volta à
Pernambuco.
Desta vez meus avós também
retornaram. O pau de arara que nos conduzia passava nas estradas entre os matos
ressecados. Nenhuma árvore projetando um pouco de sombra.
A poeira entrando pelas
narinas, ressecando a garganta de tal forma que quase não saía a voz.
O cheiro de óleo queimado
dos carros e caminhões que por ali passavam também nos fazia senti mal.
Mais uma vez chegando a
Pernambuco. Santa Cruz da Baixa Verde. Fomos
morar em uma casinha humilde, muito simples mesmo. Em sua volta só uma cerca de a veloz, no terreiro um pé de roseira.
Nos adaptávamos facilmente
aos lugares.
Por mais dificuldades que
passasse e a preocupação com os filhos, papai nunca se alterava. Mantinha-se
sempre calmo e paciente.
Alimentava sempre a
esperança de chegar outro dia e tudo melhorar.
Às vezes, em dias de
trabalho ofegante, de luta desespera para conseguir alimentos, de cuidados
constantes com os dois filhos Naldo de DOZE anos e Gino com 10 anos que
passavam os dias nas roças, chegava em casa e não se ouvia nenhuma reclamação.
Papai homem muito calado,
vivia sempre trancado no seu mundo interior.
Mamãe mulher bonita muito falante, rígida
de sorrisos altos e se precisasse gritar gritava sem pensar em quem estivesse
por perto.
A vida se resumia em
conseguir o que comer e sonhar com dias melhores.
Não éramos as únicas pessoas
a passar necessidade em Santa Cruz. Para qualquer lado que voltasse encontrava-se
muitos na mesma situação.
Dia 23 de agosto de 1963 , Mais um filho, corre chama a parteira, nasce
uma menina linda, olhos pretos cabelos
escuros. Maria de Fátima.
Alguns dias cai o umbigo de
Fátima e mamãe coloca numa caixa de fósforos e pede para que eu enterrasse
aquela caixinha em baixo do pé de rosas no terreiro de casa.
Lembro com se fosse hoje:
“Filha, enterra o umbigo da
sua irmã em baixo do pé de rosas que é para ela ter muita sorte. Dizem que as
rosas exalam o cheiro, e tudo o que estiver por perto receberá muitas bênçãos”.
E assim eu fiz. Peguei a caixinha de fósforo, cavei um buraco com um pedacinho
de pau e ali deixei o umbigo de Fátima.
Entrei em casa correndo e
sorrindo. E Com meus seis anos achava que tinha feito a melhor coisa do mundo.
- Mamãe... Mamãe... Já
enterrei o umbigo lá. Mamãe me abraça sorrindo e agradece.
Mas a alegria de mamãe com o passar dos dias
era notável a sua diferença.
Com tantas dificuldades e a
falta de quase tudo para os filhos, vendo os dois meninos pequenos na roça de
sol a sol, mamãe ia ficando muito triste e nervosa.
Aquele sorriso alegre, já
não se via mais.
Aquelas gargalhadas que se ouvia constantemente, já não mais se ouvia com muita frequência, toda aquela alegria ia se apagando do seu rosto.
Será que não havia mais
razão?
Por pior que fosse a
situação nunca vi papai discutir com mamãe e nem brigar com os filhos. Papai só
sabia trabalhar na lavoura.
Nossa alimentação era sempre
angu ou pirão de farinha com água e sal.
Muitas vezes Naldo e Gino
iam para os matos com o borná cheio de pedrinhas para caçar passarinhos para
comermos assados com angu.
Às noites antes de dormir,
tomávamos chá de folhas de laranjeira.
Apesar da dor de cabeça, estômago vazio ou
cansaço por mais um dia de trabalho, as orações eram sempre feitas.
Àquela hora era sagrada,
havia uma profunda sensação de paz e união entre nós.
Parte do desapontamento e da incerteza do
amanhã era substituída por uma réstia de esperança.
Quando se apagava a luz da
lamparina, mamãe nos colocava para dormir nas redes feitas de saco, cantando
sempre a mesma música.
“Mãezinha do céu, eu não sei rezar”.
Só sei dizer, quero te amar.
Azul é teu manto, branco é teu véu.
Mãezinha, eu quero te ver lá no céu”.
E assim, dormíamos embalados
pelo som da sua voz.
Voz que até hoje não me sai
da lembrança.
Por ser um Ex Combatente da Segunda Guerra
Mundial, papai se sentia no direito de ir a busca de algum benefício do
Governo. Vez em quando ia até Recife. Idas e vindas. Idas e vindas e nada
conseguia.
Nessas idas e vindas de papai nós ficávamos
em casa com mamãe.
Havia época em que papai
ficava até duas semanas fora. Naldo e Gino, com seus onze e doze anos iam para
roça, trabalhar nas frentes de trabalho para sustento nosso. Duas crianças, chapéu de
palha na cabeça, enxada nas costas e saiam logo nos primeiros raios de sol. Isso
tudo ia deixando mamãe muito triste e infeliz. Filhos tão pequenos, que ao
invés de estudarem tinham que trabalhar para o sustento da família.
Lembro-me da festa que fazíamos
quando papai retornava para casa. Eu ficava sentada numa pedra esperando papai voltar.
Quando ele apontava naqueles
caminhos eu corria avisar mamãe. Ele sorrindo vinha ao nosso encontro, beijava
mamãe e me pegava no colo.
Mamãe ficava triste quando
ele falava que não havia conseguido nada.
Já estávamos acostumadas com
as idas e vindas de papai para Recife em busca do “tal benefício”.
Ele não desanimava e falava:
“Um dia vou conseguir, meus
filhos”. Muitas vezes com os olhos cheios de lágrimas.
Fui crescendo vendo a luta
de papai na roça e em busca desse
benefício.
Habitualmente todas as manhãs, Socorro ia
buscar água para encher os potes na cacimba que ficava próximo ao riacho. Eu
ficava com mamãe ajudando varrer o terreiro. Papai Naldo e Gino iam para roça.
Quando mamãe fazia o almoço Socorro
e eu íamos levar na roça. Almoço era angu com rapadura e caldo de feijão.
De longe avistava papai e
meus irmãos. O sol ardia sobre suas cabeças cobertas com aquele chapéu de
palha. Durante o almoço, procuravam uma sombra embaixo de um pé de aroeira. O
suor escorria em seus rostos. Era Deus e eles naquelas terras vermelhas do
sertão nordestino.
Logo eu e Socorro novamente
estávamos voltando para casa, nos caminhos tortuosos, cheios de pedras, terra
solta e riachos secos.
Capim seco que beirava os
caminhos. Cabras, cabritos, jumentos em busca de ração para pastarem. As
sombras das moitas aqui, acolá, envolviam toda aquela paisagem seca.
Durante toda caminhada e volta para casa,
passávamos por algumas casinhas no meio do mato.
Havia uma casinha chamada CRUZ MILAGROSA, onde as pessoas pagavam
promessas, levando e deixando objetos. Alguma coisa que descrevesse o seu
pedido. Nesse dia, lá estava uma boneca de pano. Muito bonita a meus olhos. A
boneca era maior do que eu. Nessa época, eu estava com meus seis anos.
Eu nunca tive um brinquedo, queria aquela
boneca de qualquer maneira.
Chorei muito, fazia birra.
Gritava “Eu quero, eu quero”, Socorro, com a maior calma, falava: “Não chore
assim menina”! Não podemos fazer isso.
“Essa boneca é da CRUZ MILAGROSA”.
Mas eu continuava chorando:
E eu quero, eu quero! Aos altos soluços.
Com o coração aos pedaços
por me ver chorar daquele jeito, Socorro, que também passou pela infância e
nunca soube o que era um brinquedo, olhou demoradamente para mim, secou minhas
lágrimas e depois se abaixando, apanhou aquela boneca e me entregou.
Fiquei sorrindo e chorando
ao mesmo tempo. Como se fosse possível alguém chorar e sorrir. Mas era assim
que eu me senti de tanta felicidade. Esfregando o rosto com as mãos sujas de
terra.
Sai arrastando aquela boneca
pelos caminhos cheios de espinhos. Falava soluçando... “Agora eu tenho um
brinquedo”. “Agora eu tenho um brinquedo”. Mas a felicidade durou pouco. Quando
chegamos em casa, mamãe vendo aquela boneca e já sabia que era da CRUZ
MILAGROSA, notamos no rosto de mamãe uma expressão onde havia dureza e
nervosismo.
- Socorro... Você poderia ter
voltado e não deixar Carminha trazer esta boneca.
Porém tão grande
Era seu medo e cansaço que
Socorro não conseguia nem falar.
- Voltem lá agora, deixem
essa boneca no mesmo lugar. Não quero isso aqui em casa.
Mamãe falava gritando.
Ouvindo os gritos
estridentes de mamãe, imediatamente eu e Socorro saímos e fomos levar a boneca
de volta a CRUZ MILAGROSA.
Tínhamos que obedecer, pois
mamãe era muito severa e ordeira. Não aceitava que fizéssemos nada errado. E
para ela aquilo era um grande erro. Tirar aquela boneca que alguém deixou para
pagar promessas, era uma desobediência muito grande.
Mas, quando chegamos de
volta em casa, senti que mamãe nos olhava com ternura. Procurando conforta-me
encostou minha cabeça de encontro ao seu peito e falou baixinho. “Minha querida
pequena, não chore mais, pois um dia quem sabe mamãe possa comprar uma boneca
para você.” E escondendo o rosto entre as mãos, começou chorar para que eu não
percebesse.
Eu, ingenuamente, olhava
para ela atentamente tentando entender o seu pensamento. Talvez pensasse...
Meus filhos, nunca tiveram brinquedo. Mas um dia quem sabe...
1964... Mês de fevereiro. Mudamos para o
Sítio Paus Brancos, fomos morar próximo a casa dos pais de mamãe. Meus avós
maternos. Pessoas que tinham melhores condições de vida.
Como a casa em que fomos
morar ficava pertinho da casa de vovó Luzia, o cheiro das comidas que ela fazia
chegava até a gente.
Quando o cheiro do torresmo
fresco entrava em nossas narinas, desejávamos saboreá-lo.
Porque a todo o momento
tínhamos vontade de pedir. Mas bastava um olhar de mamãe, já sabíamos o que ela
queria dizer.
Ela não gostava que pedíssemos
nada.
Mamãe, mulher muito bonita, às vezes
risonha, muitas vezes triste. Tinha
razão sua tristeza. Filhos pequenos, trabalhando de sol a sol...
Muitas vezes até com a barriga
vazia.
Mamãe, sempre junto ao fogão a lenha,
cozinhando milho para fazer angu. Sonho de ver tudo melhorar, mas só ficava no
sonho.
Papai, mãos cheias de calos do cabo da
enxada. Na cabeça loura, viam-se muitos cabelos brancos. Era raro vê-lo sorrir.
Por que razão lutava tanto e não conseguia nada¿
Tantos sonhos!
Por um momento, estávamos
todos juntos e papai exclamou:
- Com fé em Deus, meus
filhos, um dia nunca mais hei de ver vocês passarem fome! Um dia minha família
não saberá mais o que é passar fome. Mas não sem lutas. Garanto-lhes... Falando
isso em voz alta e bom som.
E a luta de papai e os dois
meninos continuavam.
15 de Março de 1965... Nasce mais um filho, com ajuda de parteira outra vez. Um menino
lindo de olhos azuis da cor do céu. Seu nome Roberto.
Aos trinta e três anos mamãe
com seus sete filhos. Mas agora já não se via alegria em seu rosto.
Ano de muita seca, cacimbas eram cavadas na
beira dos riachos.
Socorro ia e vinha com latas
d'água na cabeça para encher os potes.
Água barrenta e cheia de
bichinhos chamados de cabeça de prego, por isso a água era coada antes de
beber.
Muita coisa para contar...
Mas os dias passavam e iam
passando e uma transformação em mamãe estava deixando papai muito preocupado.
Após o nascimento do último filho, Roberto, tudo a fazia ficar nervosa. Já não
tinha paciência com as crianças, não tinha paciência com nada.
Depois de mais um dia
trabalho, Naldo e Gino saem da roça e só Gino chega em casa com papai. Mamãe não
vendo Naldo pergunta:
- Naldo não veio com vocês¿
- Ele ficou tomando banho na
lagoa – Gino responde.
– Mas eu falei que não era
para tomar banho na lagoa de água quente. E ainda mais a água está barrenta. E
ali se calou...
Mais logo Naldo chega, janta
e cansado do trabalho arma sua rede e cai no sono.
Era isso que mamãe estava
esperando. Sem falar nada pega o chicote que estava no torno e começa bater em
baixo da rede. E bate, e bate, e bate até a rede se rasgar e Naldo chorando cai
no chão e continua chorando. Mamãe continua batendo até papai pedir para ela
parar.
Naldo não parava de chorar e
soluçava... Já todo cheio de marcas do chicote.
No dia seguinte Naldo não consegue
ir trabalhar. Amanheceu com febre muito alta. Mamãe estava arrependida foi cuidar dele com
maior carinho, mas chamando-lhe atenção.
Certo dia...
Recordando os longos
caminhos que tinham percorrido as idas e vindas, as lutas de papai e dos
meninos.
Como nunca aconteceu...
Mamãe disse:
“A vida não tem obrigação de
realizar nossos sonhos. Devemos nos contentar com o que a vida nos dar e
agradecer que não seja pior ainda”.
Inesperadamente, as lágrimas
lhes brotaram dos olhos, deslizando lentamente pela face abaixo, e ela ficou
calada a nos olhar como se estivesse olhando o infinito.
Sem uma palavra papai a
abraçou docemente, encostou seu rosto ao dela e acariciou seus cabelos.
Os dois ficaram parados em
silêncio por alguns minutos.
Mas a cada dia tudo ia mudando em mamãe, e
papai estava muito preocupado.
E quantas vezes as lágrimas
de mamãe escorriam pelo rosto e a gola do vestio servia de lenço. E os olhos
ficavam vermelhos e papai percebendo pedia a Deus que aliviasse tudo que sua
amada estava sentindo.
Nas tristezas e agonias que mamãe
sentia, sem que menos papai esperasse, começou sentir certa rejeição por Fátima
sua filha de dois anos e meio.
“Não quero essa menina aqui!
Leve-a embora.”
Nessa hora papai entra e
ouvindo aquelas palavras, seus olhos ficam rasos de lágrimas. Com tristeza...
- Não posso tirar nossa
filha daqui minha querida. E chegando perto a mamãe acariciava seu rosto e
pedia que se acalmasse.
- Não quero essa menina
aqui.
- Leve-a embora... Leve- a
embora. E levando as mãos ao rosto socorria as lágrimas.
- Fique calma, que eu vou levar
a menina para casa de Maria.
Maria, senhora que morava no
vilarejo- Santa Cruz da Baixa Verde.
Papai arrumou algumas roupinhas
e segurando Fátima em seus braços, engoliu em seco e seguiu a caminho do
vilarejo. No caminho uma pergunta lhe calava a voz. “Por que meu Deus, isso
está acontecendo¿. Só o silêncio era sua resposta. Chegando a casa de Maria
explicou o que estava acontecendo e...
Por favor Maria, suplicou
papai com os olhos cheios de lágrimas. Cuide bem dela.
E voltando para casa papai
sentia-se triste e desolado. Chegando em casa
sem falar nada acaricia o rosto de mamãe que está deitada. E com um nó
na garganta, não sabia o que fazer para ajudá-la.
À medida que o sol ia se
escondendo atrás da serra, mamãe ia ficando inquieta e chorosa. Quando à noite
chega o seu desespero aumenta.
Papai não consegue dormir muito
preocupado.
As horas vão passando, papai
cansado acaba adormecendo.
Sem que ele perceba mamãe
levanta de mansinho e sai.
Na escuridão da madrugada, o
que iluminava eram as estrelas no céu.
Em se sono leve, papai
desperta e vendo que mamãe não estava na cama, sai porta a fora gritando por
ela.
“Nina! Nina! Onde está você¿
Nenhuma resposta.
Saiu mato adentro à procura
de mamãe.
Seu espanto foi grande,
quando de longe ouviu alguém chorando.
E aquele choro foi chegando
próximo e viu mamãe dentro de um buraco, aos prantos e com o vestido de Fátima
nas mãos secando as lágrimas, falando que queria a filha.
Na madrugada papai a tomou
em seus braços e ainda sob a claridade das estrelas leva mamãe para casa.
Ele só queria que o dia
amanhecesse logo.
Mamãe só chorava e pedia a
filha.
No dia seguinte, logo
cedinho, papai vai até o vilarejo buscar Fátima, que tão pequena não sabia o
que estava acontecendo.
Papai, perdido em seus
pensamentos, cansado pelo trabalho na roça, mas ainda tinha forças e um autocontrole
muito grande.
O bebê estava com sete meses e mamãe estava
muito doente.
Papai começou a levar ao
médico na cidade de Triunfo. Muitos remédios para ela tomar. Os cuidados eram
vinte e quatro horas. Qualquer descuido mamãe saia para os matos. Toda
medicação tinha que ficar escondida. Pois se deixasse ela queria tomar todos de
uma só vez. Papai não conseguia dormir direito nem podia trabalhar longe de
casa.
Dos sete filhos a mais velha
era Socorro com quinze anos, que ajudava papai nos afazeres de casa e
toda atenção maior era para
mamãe.
Algumas vezes tínhamos a
impressão de que mamãe estava bem. Por alguns instantes ela lembrava que tinha
um filhinho, e que os outros também eram seus filhos.
Lembro-me que havia dias em
que papai não ia trabalhar, pois tinha que cuidar de mamãe. Nesses dias só os
dois meninos de treze e doze anos iam para roça.
Dia 26 de março de 1966 um sábado. Mamãe
amanheceu bem, tomou banho, falou para papai que estava se sentindo melhor. Era
notável que ela estava bem. Papai fica feliz por vê-la assim.
Logo, chama os meninos para limparem
a roça perto de casa.
Eu, Socorro, Zezinho e o
Roberto de um ano ficamos em casa.
Fátima de três anos estava
Maria no vilarejo.
Mas o desejo de ficar
sozinha fez com que mamãe chamasse a filha mais velha.
- Socorro, por que você não
vai passear um pouco¿ Hoje eu estou bem e pode ir sem se preocupar.
Vá para casa da sua
madrinha.
- Não mamãe! Não quero sai.
Mamãe continuou insistindo e
lançou um olhar receando que os pensamentos ruins que lhe atravessavam o
cérebro fossem percebidos por Socorro.
Com apenas quinze anos, mas
com muita responsabilidade, Socorro pensou um pouco. Mas com a insistência de
mamãe resolveu ir à casa da madrinha. Foi com a intenção de voltar logo.
Era isso que mamãe queria.
Seu plano estava traçado.
Eu, com nove anos, Zezinho
de quatro e Roberto de apenas um ano, ficamos em casa.
Logo que Socorro saiu, mamãe
me chamou. Eu fingia não prestar atenção.
- Filha!... A voz alta fez
com que eu olhasse para ela com medo.
E me dando ordem...
- Vá com os meninos para
casa da sua tia Inácia. Brinque lá com eles, pois eu quero descansar.
Meio temerosa retruquei.
– Não mamãe, eu fico com
eles no terreiro ou no quarto da sala e não vamos fazer barulho.
Mamãe colocando as mãos na
cabeça gritou:
-Vá logo, eu estou mandando!
Não tive outra saída a não
ser obedecer.
Vesti meu vestido de chita
azul, coloquei Roberto em meu colo, segurei o Zezinho pela mão
e saímos para casa da tia Inácia que ficava bem próximo. O que separava as
casas era uma cerca de a veloz.
Mamãe havia planejado tudo o que queria
fazer. Tomou banho, colocou sua melhor roupa, uma saia estampada de flores
vermelhas e cor de rosa e uma blusa também estampada.
Minha avó Luzia, mãe de
mamãe, morava pertinho e por volta das onze horas da manhã, foi em casa como
fazia sempre todos os dias.
Chegando na porta da
cozinha...
- Nina! Nina! Ninguém responde.
Entrou e continuou chamando. – Nina! Nina! E nada...
No corredor, olhou nos
quartos, mamãe não estava. E no silêncio
daquela casa, segue até a sala e tão grande foi seu espanto quando viu mamãe
pendurada em uma corda em um torno de armar rede.
Minha avó deu um grito tão
alto e assustador que papai e meus irmãos que estavam na roça ali perto de casa
ouviram e foram correndo.
Quando papai entrou em casa,
ficou desesperado. A única solução rápida foi cortar a corda, mas já era tarde,
mamãe estava morta.
O desespero tomou conta de
todos.
Imediatamente, Naldo foi ao
meu encontro na casa da tia Inácia e chorando falava:
“Perdemos nossa mãe.”
“Perdemos nossa mãe”.
Eu, com apenas nove anos
fiquei assustada, não entendia o que estava acontecendo e fui correndo para
casa.
Papai me abraçou chorando.
As lágrimas banhavam seu rosto. Triste ver minha mãe morta no chão.
Minha avó e meus irmãos do
outro lado também chorando.
Imediatamente a casa foi
enchendo de parentes, amigos e vizinhos.
Logo mamãe estava em cima de
uma cama sendo coberta com um lençol branco.
Fátima, a pequena de três
anos, sempre queria descobrir o rosto de mamãe. Levantando o lençol, olhava
para seu corpo inerte e com um jeito bem nordestino falava: “Hein! Hein! mamãe
não come mais angu”!
Roberto o bebê,
engatinhava, procurando e chamando mamãe em todo lugar da casa.
Aquele dia ficou para sempre
em minha memória.
À noite, as pessoas com
velas e lamparinas acesas.
O velório em casa, mamãe numa
cama de solteiro sendo velada.
Amanheceu! Aquele cheiro de
rosas, mamãe sendo levada para o cemitério.
As andorinhas na torre da
igrejinha voavam lentamente, enquanto o sino tocava o sinal anunciando que ali
estava chegando um corpo para ser sepultado.
Era de costume, antes e
sepultar alguém passar na igreja para fazer orações.
Antes do sepultamento, muita tristeza e
choro. Em fim mamãe coberta com aquela terra vermelha. Muitas flores colocadas
em seu túmulo.
Papai, com aparência muito
triste e cansada, seu coração tentando suportar a dor. Naquele instante a peça
principal da família estava sendo deixada ali para sempre. O seu grande amor.
Pouco a pouco todos iam se
retirando
Ficando ali a soluçar papai
e os sete filhos.
Papai, homem forte, de
garra, mas com uma profunda incerteza do amanhã. Seus olhos cansados estavam
vermelhos de chorar.
De volta para casa, no sítio Paus Brancos.
Caminhos cheios de ladeiras, espinhos e pedra. O silêncio nos fazia companhia.
Manhã linda de céu nublado e
acinzentado.
Tudo muito calmo, nem o
vento balançava as folhas. Parecia entender que o coração de papai e dos filhos
precisavam de silêncio naquela caminhada até chegar em casa.
O cheiro de rosas ainda se
fazia presente.
O infinito e grande amor de
papai pelos filhos contribuía muito para nos confortar. O nosso amor e respeito
por ele também contribuía para o seu consolo.
O dia passou. O sol já se escondendo
atrás
da serra. Logo a escuridão junto a profunda dor e a primeira noite sem Mamãe.
Socorro, eu e o bebê fomos dormir na casa de
vovó Luzia. Deitados na mesma cama em que mamãe foi velada. Eu não conseguia
dormir. Sentia a presença de mamãe. A todo instante sentia que ela vinha mexer
comigo. O escuro me fazia sentir muito medo. Muitas vezes gritava por vovó
Luzia.
- Mãe
Luzia! Mamãe está aqui comigo. A
lamparina era acesa e mãe Luzia ia até o quarto. Quando apagava a lamparina eu
começava a chorar, não deixando ninguém dormir. Meu tio Assis tentava consolar-me.
“Não tenha medo”! Durma em minha rede que eu vou dormir na sala.
E
deitada na rede no mesmo quarto em que estava minha irmã. Senti a rede balançar
a noite inteira. Na minha inocência achava que era mamãe me acalentando.
Por
que isso estava acontecendo¿
Não
disse nada a ninguém sobre a rede balançar a noite inteira...
Amanhã...
Amanhã será outro dia. Quem sabe eu rezando, não sentiria mais medo.
VIDA SOFRIDA NO SERTÃO SEM MAMÃE
Dia seguinte... Papai desolado. Imagino
pensando: COMEÇO DO FIM DOS SEUS
SONHOS...
E
agora... Sete filhos, todos menores, um bebezinho, e agora? Mas a vida tinha
que continuar. Quantos sonhos perdidos!
Dia
após dia, todos tristes, mas tentando viver... Um precisando do outro. Os
filhos precisando do papai e papai precisando dos filhos. Tinha que ser forte.
A
mais velha, Socorro de 15 anos, cuidava dos pequenos, enquanto papai, Naldo e
Gino iam para roça.
Os dias passavam lentamente. Papai triste, ás
vezes chorando, mas tentando ser forte, pois a vida até então já era cheia de tantas
dificuldades e agora sem mamãe tudo se tornaria mais difícil. Todas as noites
meu sono era agitado, povoado de imagens ao lado de mamãe.
Acordava
sobressaltada, meu coração disparado não me deixava respirar direito.
Sonhava
com mamãe que pedia ajuda. Aos gritos ela pedia... “Filha, tire-me daqui...
Salve-me”.
Em meu
sonho eu levantava uma pedra e via mamãe dentro de um buraco cheio de fogo.
Abaixava-me tentava segurar a mão de mamãe, mas não conseguia. As chamas eram
tão fortes que, na tentativa de segurar sua mão sentia uma quentura muito
grande e eram inúteis minhas tentativas. O sonho foi tão impressionante que
demorei alguns minutos para entender que tinha sido um sonho. Seu pedido de
ajuda foi tão desesperador e real que pelo resto da noite seus gritos ecoavam
em meus ouvidos.
Ao
amanhecer, comecei chorar sem parar. Papai e Socorro perguntando o que houve. As
lágrimas não permitiam que eu falasse qualquer palavra. Tentando me acalmar,
papai me abraçava com ternura.
Quando
me senti mais calma, contei o sonho que tive.
- Filha,
não chore mais, foi só um sonho. Dizia papai.
Ficava
com muito medo quando anoitecia e apagava-se a lamparina e na escuridão do
quarto tinha que dormir.
Vez
em quando acordava assustada, sentindo a presença da mamãe.
Se
dormisse em rede, mamãe estava sempre a me embalar. Sua presença era muito
real.
Os dias passavam e o medo ia se afastando de
mim.
As
noites na escuridão de casa, já conseguia dormir mais calma mesmo sentindo a
rede balançar. E muitas vezes ouvia a
voz de mamãe cantando.
Sofríamos
muito sentindo a falta dela.
Nossa
única razão de viver era papai que nos amava muito e lutava pela nossa
sobrevivência.
Meus
sonhos com mamãe eram constantes.
Cinco meses após a morte de mamãe, Socorro de
15 anos, que já namorava um rapaz da Paraíba, resolveu casar-se. Mas papai não
concordava com esse casamento. Por ela ser muito nova e por ser ela quem
cuidava dos pequenos enquanto ele trabalhava.
A
luta era muita grande para uma jovem de apenas 15 anos.
Tinha
que cuidar da casa, de três crianças, cozinhar no fogão a lenha, lavar roupas
no riacho, buscar água nas cacimbas e muitas outras coisas.
Seu
noivo Antonio que morava em Santana de Mangueira na Paraíba resolveu encontrar um jeito de levá-la embora.
Socorro,
apaixonada aceitou fugir.
Certa
tarde, enquanto papai ainda estava na roça, Socorro fingiu que ia buscar água
no riacho que de costume ia todas as
tardes.
Tudo
já estava combinado com Antonio que a esperava para levá-la embora em um jipe.
Deixando
a lata d'água na beira do caminho, subiu no jipe com o noivo e saíram numa
velocidade muita alta.
Caminhos
estreitos e cheios de buracos, o jipe quase cai em um abismo.
Mas
Deus os ajudou... Eles estavam seguindo o destino deles.
Às
vezes, Socorro murmurava para seu noivo. “Que pensaria mamãe se soubesse do seu
procedimento.” E sentia um aperto em seu coração.
“Quando
a pedi em casamento nunca imaginei semelhante situação. Pensei que a vida
transcorreria tranquila”. Dizia Antonio acariciando o rosto de Socorro.
Uma
sensação de culpa e prazer invadia Socorro quando o jipe que a conduzia pelos
caminhos até Santana de Mangueira afastou-a dos olhares dos familiares e
vizinhos.
Agora
não haveria ninguém que pudesse interferir ou censurar seus planos.
Estava
em busca da sua felicidade ao lado do seu grande amor.
Naquela tarde, para papai foi como se
tivesse recebido uma paulada em sua cabeça. Ele ficou desesperado. Foi mais uma
grande perda. Ficou sem saber o que fazer.
Estava
muito cansado. Sofria muito com a morte da esposa, e agora ia ficar sem a
filha. Agora, quando mais precisava dela.
Uma
nuvem escura cobria seu olhar, que agora fixava no vazio.
Quando
mamãe morreu, levou junto consigo seu o coração, deixando-o na
solidão.
Quanta
falta mamãe fazia!
Lembranças de uma vida que aumentava a cada
dia a saudade.
Agora,
só uma pergunta lhe calava a voz. Por que?
Muitas
vezes ouvia papai falando sozinho se balançando em sua rede.
E em
sua solidão às vezes se perguntava: Por
que estou só? Por que Deus me levou a joia maior? Por que?
Suas
palavras como tantas vezes, se perdiam no silêncio da noite.
O céu
estrelado aumentava a dor da perda da amada. Precisava ser forte, mas encontrar
forças onde? Quando saia á noite no terreiro de casa e olhava o céu estrelado,
as lembranças faziam papai soluçar. Soluços que por várias vezes engolia para
que nós não percebêssemos.
Mas
eu ficava sempre muito atenta a qualquer movimento que papai fazia e percebendo
a sua angústia e de mansinho fui a sua direção.
Pressentindo a minha presença lentamente me abraçou e um sorriso iluminou
aquele rosto amargurado.
Logo
chamou todos os filhos e sussurrando falou: “Filhos, vocês são meu porto seguro,
e eu os amo muito”. Tomados de tanta emoção, por algum tempo ficamos calados.
Mas quando olhamos o rosto bondoso de papai entendemos o drama que ele enfrentava.
Os
dias passavam, papai continuava muito triste, mas sem perder a calma.
Sempre
fomos muito pobres, mas o amor nunca nos faltou. O amor nos unia e nos dava
forças. A vida sem mamãe estava sendo muito difícil.
Queríamos mamãe querida
Poder pintar-te em aquarela
O teu sorriso tão doce
A tua imagem tão bela.
Queríamos ter-te de volta mamãe querida!
Quanta falta nos faz...
Agora
sem mamãe e sem Socorro para ajudar, estava sendo muito difícil para papai
cuidar dos filhos e trabalhar para nos sustentar.
Meus
avós paternos, vovô Hermínio e vovó Tereza que moravam no Sítio São José de
Pilotos tinham muito amor por nós e sentiam uma necessidade enorme de nos
ajudar.
E
foram no sítio Paus Branco falar com papai.
-
Tindá, meu filho... Leva as crianças lá para casa e vamos morar todos lá.
Papai
chorou de alegria ouvindo seus pais falando isso. Pois foi nesta mesma nesta
casa que papai nasceu e cresceu.
Com
meus avós ainda morava uma filha solteira. Tia Alzira.
Imaginem vocês... Numa casinha simples,
humilde e muito tranquila no meio da roça, onde moravam apenas três pessoas, de
repente chegarem sete. Papai e Seis filhos.
Foi
uma grande transformação dentro daquela casa.
Casa
de tijolos sem reboque e sem forro. Telhado mal acabado; quando chovia as
goteiras pingavam e molhavam toda a casa. Cozinha, onde o fogão a lenha ocupava
quase a metade do espaço, infestando o ambiente de fumaça.
E
quando os gravetos estavam queimando, as labaredas surgiam e diminuía um pouco
a fumaça.
Vovó,
com os olhos vermelhos, cheios de lágrimas ajeitando os gravetos e assoprando o
fogo para que as chamas não apagassem.
As
panelas feitas de barro em cima do fogão. Uma cadeira encostada a parede, onde
vovó ficava sentada observando a panela cheia de xerém para fazer o angu. De um
lado, uma máquina de moer milho, do outro lado, um pilão.
Na
sala uma mesinha com um rádio de pilha e um banco onde vovô e papai sentavam
para descansar quando voltavam da roça.
Um
quarto com uma cama de casal, um colchão cheio de palha de bananeira. Outro
quarto com um baú para guardar as roupas. Nas paredes alguns tornos de armar
redes.
Ao
lado da casa um cajueiro antigo que servia de sombra no terreiro. Pilão para
pilar o milho, máquina para moer. Assim era a casinha onde papai nasceu cresceu
e todos nós fomos morar depois que mamãe morreu.
A
vida continuava... Papai e os meninos na roça...
Eu
ajudava vovó e minha tia Alzira indo para os riachos lavar roupas.
O sol
ardendo na pele naqueles lageiros onde colocávamos as roupas para secar.
Ajudava
também encher os potes com água que trazia das cacimbas que eram cavadas próximo
ao riacho.
Quantas
idas e vindas para encher os potes de barro subindo e descendo ladeiras com a
lata na cabeça.
O
capim seco e algumas borboletas me faziam ficar parada olhando o bater de suas
asas coloridas voando aqui acolá.
Ficava
fascinada vendo tanta beleza. Às vezes não via o tempo passar, imaginando como
seria viver voando batendo as asas, felizes em um mundo sem tristezas, sem
maldades, sem ambição, sem egoísmo...
Às
vezes conseguia pegar uma borboleta e ficava olhando suas asas bem pintadas
como se aquelas cores fossem uma aquarela cheia de pontinhos e riscos. Todo o
dia ficava nesse mundo de sonhos e
fantasias.
Com dez anos comecei estudar, fui para escola
fazer o primário. ESCOLA REGINA PACCES. Dona Socorro, minha primeira professora.
Orgulhosa em ir para escola. Só tirava boas notas. Pois nunca tinha ido a nenhuma
escola, mas já sabia ler e escrever.
Nesta
época um circo veio para o Vilarejo Santa Cruz da Baixa Verde. “Xangai Circo”.
Do Sítio ouvia-se a difusora anunciar as atrações. A vontade de ir assistir ao
espetáculo era muita, mas não tinha dinheiro para pagar o ingresso.
Mas,
passava horas nas roças catando mamonas para vender até conseguir a quantia
para pagar o tal ingresso.
A primeira noite no circo. Que maravilha!
Meu coração pulava, meus olhos brilhavam
quando vi o palhaço “Pileke Lek” se apresentar. O palhaço parece que
percebeu que era a primeira vez que eu estava ali. E vendo a minha
felicidade me chamou para o picadeiro
. Segurando a minha mão subi no
picadeiro de chinelos de dedos e ali o palhaço brincava comigo vendo toda minha
alegria. Ah! Quanta felicidade!
Tudo
aquilo me fascinava. O palhaço, as bailarinas, os mágicos...
Papai continuava a luta em busca do “tal
Benefício”.
Eu já
tinha quase doze anos já sabia ler e escrever.
Preocupada em ajudar falei para papai:
- Vou
escrever para o Presidente da República para ele ajudar o senhor.
Papai
riu me abraçou e falou:
-Jamais
alguém lá em Brasília alguém vai ler sua carta, minha filha!. Mas não custa tentar. E disfarçando
riu outra vez.
Naquela
mesma hora peguei meu caderno e a caneta e comecei escrever em nome do papai e
contando a sua história, a sua luta e que ele necessitava muito deste
benefício.
E
assim escrevi e papai foi em Triunfo colocar minha carta no correio.
A
carta foi escrita no dia Trinta de Dezembro
de 1968.
Em Março de 1969, papai recebe uma resposta que
dizia assim:
1970... Ano horrível a pior seca do nordeste.
Ano em que passávamos fome mesmo. Quem nunca sentiu, não sabe o que é... Nem
imagina o que é dormir de estômago vazio e acordar sem ter o que comer.
Naldo
e Gino nas frentes de trabalho tentando trazer alimentos para os que estavam em casa. Difícil,
Horrível, não vale nem apena comentar.
1971...
Nada de papai receber o benefício tão esperado.
Mas o acaso acontece sem a gente saber o que
nem por que.
Como diz o ditado... O que é
fácil desconfie...
Certo dia, estando papai na sua luta na
lavoura, eis que chega um senhor se apresentando como colega de Guerra e que
veio para ajudar papai receber o benefício tão esperado. Pois ele já
recebia. Ele tinha alguns defeitos como
na perna direita e na voz. Dizia ele que adquiriu essas deficiências na Guerra.
Começou fazer muitas
perguntas sobre tudo o que papai lembrava sobre a guerra. O seu bom papo fez
papai confiar em suas palavras.
A primeira vez veio conhecer
e pegar informações e disse que logo voltaria para levar os documentos. Fez a
lista de tudo que precisava e deixou com papai.
E assim fez, voltou um mês
depois e convenceu papai entregar todos os documentos. Ele ficou dois dias conosco
e foi embora.
O tempo passava e nada deste
homem dar notícia. Não existia nenhuma informação dele. Então papai percebeu que caiu em um
golpe.
A vida era cheia de dificuldades, mas éramos
felizes, sem medo e sem maldades.
No dia em que fiz quinze anos, saí para
levar almoço para papai e meus irmãos que estavam trabalhando na roça em um
sítio São Mateus.
Distante de onde morávamos.
Levei uma tigela de angu,
outra de caldo e feijão, que vovó amarrou um pano. Coloquei na cabeça e saí
pelos caminhos estreitos,
matos de um lado e do outro, ladeiras imensas.
Um riacho quase seco no
início da ladeira. Aqui acolá uma casinha no meio das roças. Distraída,
cantarolando, subindo e descendo ladeiras. Sem esperar, do nada ou não sei de
onde eis que de repente surge do meio daqueles matos uma senhora de cabelos
despenteados, grisalhos e vestido rasgado.
Começou correr atrás de mim,
gritando que estava com fome e queria comer a comida que eu estava levando. Sai
correndo ladeira abaixo, que o caldo de feijão derramou todo em minha cabeça
molhando todo o meu cabelo. Parei um pouco, olhei para trás e a senhora não vi
mais. Já havia desaparecido nos matos.
Cheguei à roça só com o
angu, o caldo de feijão tinha derramado todo em meus cabelos.
Papai me vendo chegar com os
cabelos molhados foi logo perguntando o que aconteceu.
E caíram na gargalhada quando
contei a história da senhora correndo
atrás de mim.
Estava com medo de voltar e
encontrar a senhora outra vez.
Armei-me com um pedaço de pau
e voltei pelo mesmo caminho.
Sentindo-me receosa, mas
estava atenta, sempre olhando de um lado e outro.
Mal respirava de alívio
quando senti o coração pular de medo ao ver surgir por trás de um grande tronco
uma menina com uma cabaça de água na
cabeça.
O susto foi tão grande que,
logo a menina surgiu, já joguei o pau que trazia para me proteger. A cabaça
caiu e quebrou derramando toda água que a coitadinha conseguiu naquele riacho
quase seco.
Assustada, a menina gritava.
“O que você quer? Por Deus,
não me faça mal.”E escondendo-se atrás do tronco chorava. Seu rosto pequeno,
olhos grandes, arregalados, onde o medo estampava-se em seu rosto.
Fiquei com pena dela e
comecei chorar também. Como explicar para ela que eu estava com medo daquela
senhora.
E agora, como a menina ia
chegar na casa dela sem a cabaça e sem a
água.
Assustada saiu correndo sem
falar mais nada.
Ei, diga-me seu nome!...
Diga-me seu nome!... Eu gritava mais ela fingia não ouvir.
O contraste entre aquela
senhora de vestido sujo e rasgado, cabelos despenteados e aquela menina
meiga... Não entendia o que estava acontecendo.
Continuei meu caminho até
chegar a minha casa. Fiz o mesmo caminho por várias vezes, sempre pensando em
reencontrá-la. E nunca mais a vi...
Era uma tarde quente de Dezembro.
Sentada
em um lageiro, junto ao riacho que matava a sede de muita gente da redondeza. De
repente, as nuvens mudaram de cor no céu, que antes era azul e límpido.
Em
instantes cairia uma forte tempestade. Raios riscavam o céu. O arco Iris se
formava todo colorido.
Ao longe
se ouvia os trovões que se aproximavam. O
vento trazia o cheiro da chuva. Os pingos grossos acentuando a poeira e o
mormaço quente subia com o cheiro de terra molhada.
Desde
pequena, as tempestades faziam-me muito medo. Nesse dia tudo aquilo me
fascinava.
Em
plena tarde, a escuridão escondia o sol e o mundo ao meu redor se enchia de
sombras, trazendo-me recordações de quando mamãe era viva.
Num
jogo de lembranças via-me criança outra vez correndo no terreiro da minha casa,
atravessando a cerca de a veloz.
Mamãe
aflita, gritando;
- “Filha!
O temporal está vindo, corra para casa. É muito perigoso ficar aí junto essa
cerca”.
Quantas
lembranças! Lembro-me do dia em que a tempestade veio com tanta fúria. Vento
muito forte, trovões sacudiam o céu e a terra.
Desta
vez tive muito medo e, sem coragem de correr para casa, fiquei parada junto à
cerca e pus-me a gritar.
Quando
um raio caiu próximo a mim derrubando um pé de goiabeira, mamãe me gritou
desesperada.
Quando
cheguei, molhada dos pés a cabeça e descalça, mamãe me pegou no colo e
advertiu-me: “Não faça mais isso”!
Naquela
tarde enquanto viajava no tempo com minhas lembranças estava muito feliz.
Sentia que a natureza me protegia.
Continuei
ali, esperando a tempestade passar. E conversando com o vazio, falando com a
enxurrada, que quanto tempo aquelas terras estavam trincando de
secas
sem ver chuvas.
A
tarde continuava escura, mas no céu tudo se calou. Os raios sumiram, os trovões
emudeceram.
Na
minha cabeça, lembranças da minha infância se confundiam e eu começava a
chorar.
Os
pingos começaram a cair devagar
E misturaram-se
com as minhas lágrimas.
Ainda
perdida em meus pensamentos, escorregando aqui e ali, fui andando naquele
caminho lamacento até chegar em casa.
Vovó
já me esperava ansiosa, preocupada comigo, sem saber o que tinha acontecido.
Pois sempre que eu via se formar um temporal sentia muito medo.
Mas
naquela tarde, me senti forte, sem medo algum. Eu estava encantada com tudo o
que via.
A
chuva trouxe-me lembranças tão preciosas que me desmanchei em lágrimas. Lágrimas
de felicidade dos bons momentos ao lado de mamãe.
Que
pena! Tudo isso passar e não volta mais. Nunca mais...
Só
lembranças vivas, nítidas em minha memória... Nem o tempo irá apagar...
Naquela redondeza, havia muitas pessoas
analfabetas. Senhoras e senhores que trabalhavam na lavoura e que nunca tinham
frequentado uma sala de aula. Pensando em fazer alguma coisa por elas resolvi
passar de casa em casa e fazer uma lista de quem gostaria de estudar. Aprender
ao menos assinar o nome.
Foi
uma grande novidade para todos e logo muitos concordaram.
Com a
lista em mãos, providenciei a arrumação da sala da minha casa. Meu avô comprou
o quadro negro e coloquei na parede.
Na
sala havia um banco com espaço para cinco pessoas, alguns tamboretes e uma
mesa. Não dava para todos, alguns traziam seu banquinho.
Sob a
luz da lamparina comecei ensinar aquela turma.
Senhores
e senhoras e até jovens cansados do trabalho de sol a sol, mas davam a maior
atenção ao que eu ensinava.
Muitos
eu tinha que pegar na mão, pois não sabiam nem pegar no lápis.
As
mãos calejadas, tentando escrever alguma letra tremida, mas com muita
determinação.
A
cada letra ou palavra escrita por eles via-se a felicidade estampada em seus
rostos.
Era
muito gratificante ver em cada rosto um sorriso de felicidade.
Alguns
meses depois, muitos já sabiam escrever seu nome. Logo fiquei conhecida como a
“professorinha da roça”. Dava tratos
a imaginação para fazer todos entenderem.
Nos meses que se seguiam, uma dor apertava-me
o coração: logo teria que parar de ensinar-lhes, pois vovó estava muito doente.
Meu
coração elevou a Deus um agradecimento pelo bem que tinha me feito. Por um
instante deixei escorrer o pranto em meu rosto.
Quando
o sol começava surgir atrás da serra eu estava ao lado de vovó que mal podia me
consolar, pois já sabia ela o motivo da
minha tristeza.
E
olhando para aquela serra onde o sol nascia uma ideia entrou em meu coração.
Haveria
a possibilidade de conversar com o Sr. José Antonio, dono daquela casinha.
E
resolvi ir até lá. Sr. José Antonio estava sentado em um banco na porta da casa
com um cigarro entre os dedos e um
chapéu de palha na cabeça.
A
Sra. Joana sua esposa estava varrendo o terreiro e veio participar da conversa.
Falei
que gostaria de continuar ensinando e que a casa dele tinha uma grande sala. Ele
já conhecia a minha história. A ideia foi recebida com aprovação, pois eles
também gostariam de estudar.
Saí
feliz avisando a todos que eu ia continuar ensinando na casa do Sr. José
Antonio na Serra dos Nogueiras.
Assim
tudo ficou acertado e as aulas continuaram.
Alguns
desistiram, pela distância.
Todas
as noites voltando e descendo a serra, a alegria daqueles senhores, senhoras e
jovens cantando e correndo na escuridão dos caminhos. Naquela escuridão só ouvíamos o cantar dos grilos
e sapos na beira do riacho.
Mas
um canto diferente vindo de longe às vezes nos chamava atenção.
Era
um canto triste e selvagem,
Um
riacho cortava a chapada e a serra.
Na
chapada à beira do riacho, alguns pés de bananeira e goiabeira.
A
claridade da lua e das estrelas é que nos conduzia naqueles caminhos ladeira a
baixo.
E
assim ensinei durante seis meses.
Com meus quinze anos ainda, soube que em
Santa Cruz uma professora veio ensinar Admissão. Gostaria muito de estudar, pois
até então só tinha a quarta série do primário. Mas infelizmente não consegui
vaga.
No
segundo semestre houve uma desistência e eu fiquei em seu lugar.
Tinha
que me esforçar muito para acompanhar os que já haviam estudado o primeiro
semestre.
Logo
nas primeiras provas tirei boas notas e fui me acostumando com todos da classe.
Sabia
que aquele ano de 1972 seria o meu último ano na escola. Pois o Ginásio só
tinha em Colégio particular em outra cidade. E só os que tinham posse é que
estudavam no Colégio STELA MARIS em Triunfo PE.
Muito
triste por saber que não iria continuar meus estudos, todos os dias chorava na
sala de aula.
Dona
Lourdes, minha professora não sabia porque eu chorava tanto e me perguntou:
- Por
que você chora tanto?
De
cabeça baixa e muito tímida respondi:
Choro
porque sei que não vou mais estudar.
“Ah”!
Exclamou ela pensativa. E ao mesmo tempo forçando um sorriso disse: “Calma,
quem sabe um dia possa continuar seus estudos”.
- “Não
chore assim! Não chore” E com um gesto carinhoso, passou a mão em meu rosto. Quanto
mais ela falava, mai eu chorava.
Os
dias foram passando e chegou o último dia de aula. Terminava o ano letivo,
passei em primeiro lugar e ganhei um lindo presente.
Dona
Lourdes
já havia contado para seu pai Sr. Antonio da minha vontade de continuar
estudando. Ele, pessoa de bom coração por sua vez foi até o Colégio
Stella Maris
conversar com a Diretora sobre mim.
A madre
superiora Irmã Gerwicks, falou que eu ganharia uma bolsa, mas tinha que fazer
uma prova.
Quando
soube disso fiquei tão feliz que meu coração saltava de contentamento.
Eu...
Será que eu menina tão pobre iria conseguir estudar no Colégio Stella Maris?
1972 Quanta felicidade, passei na prova. Ganhei
uma bolsa de estudo no Colégio iria fazer o Ginásio.
Feliz
da vida com o coração cheio de
esperanças, a cabeça borbulhando em sonhos. Mas algo me preocupava.
Como
comprar o material¿ E o uniforme?
Papai
não tinha dinheiro, mas me acalentava. “Filha, você já conseguiu a bolsa, o resto
a gente dar um jeito”.
O
sonho de continuar os estudos estava sendo realizado. Dona Lourdes havia estudado
no Stella Maris e ainda tinha o uniforme e mandou fazer alguns ajustes para que
eu usasse.
Saia
azul-marinho, blusa branca, sapatos pretos e meias brancas.
O
material papai e vovô compraram.
O
sítio São José de Pilotos onde eu morava, ficava distante do Colégio
Stella
Maris em Triunfo. Como não tinha dinheiro nem para comprar um lanche, eu
ia e
voltava a pé. Eram seis quilômetros para ir e seis para voltar. Eram
doze quilômetros por dia que eu andava. Daquela redondeza só eu ia à pé.
As
meninas do vilarejo iam de carro fretado, pois tinham condições.
Os carros
passavam e só deixavam poeira para trás. Mas o meu sacrifício valia muito a
pena.
Às
vezes me sentia cansada e com fome e muitas vezes parava para descansar.
Sozinha
naquela estrada, mato de um lado e do outro, vez em quando passava um carro
levando as colegiais.
Muitas
vezes cansada pensava:
Ah!
Se alguém parasse e me desse uma carona... Mas nada, continuava ficando para
trás engolindo poeira.
sentia
forte a cada dia.
E
assim observava e vivia a vida sem entristecer-me.
Vegetação
seca, poeira vermelha não eram novidade para mim. Tudo isso era tão natural
como o ar que eu respirava e a água que eu bebia.
Com a
poeira o meu uniforme ficava muito sujo e chegava ao Colégio suja.
Dona
Lourdes e Sr. Antonio que moravam próximo ao Colégio, me propuseram deixar meu
uniforme na casa deles. Assim chegava ao Colégio e assistia às aulas com o
uniforme limpo.
Assim
eu fiz, ia com uma roupa e na casa de dona Lourdes colocava meu uniforme.
Quando
chovia, as estradas transformavam-se em lama Os carros não passavam, eu que ia à
pé não faltava às aulas.
Nos
dias de chuva as meninas do vilarejo que iam de carro faltavam às aulas.
Certo dia desses chuvosos, a primeira aula
era da Irmã Superiora, Irmã Gerwicks. Na chamada de presença já se sabia que
nenhuma aluna chegaria devido as estradas lamacentas.
Uma
colega, Elizabete, sabendo que eu ia e voltava a pé, falou para Irmã Superiora:
-“
Irmã Gerwicks, não coloque falta em Maria do Carmo, que ela vai chegar. Logo ela
estará aqui. Tenho certeza. Ela não vem de carro, ela vem a pé”.
O
espanto da madre Superiora, quando de repente antes de terminar a primeira aula
eu entrei na sala.
Fui
me explicar com ela, mas ela não me deixou falar e completou:
“No
intervalo me procure na Diretoria, preciso falar com você.”
Fiquei
apreensiva, pois achava que ia ser advertida por ter atrasado.
No
intervalo fui até a diretoria, toda tímida e receosa. Entrei e lá estavam Irmã
Gervicks e Irmã Rafaela.
Sente-se, Irmã Gerwicks falou em voz
firme. E logo me perguntou:
É
verdade que você vem e volta a pé todos os dias até o Colégio?
- Sim
Madre, é verdade. .
Naquele
instante Irmã Gerwicks abriu uma gaveta e de lá tirou um pacote de dinheiro e
me entregou.
-
Pegue esse dinheiro, procure uma vaga em um dos carros que trazem as meninas e
não venha mais a pé.
Esse
dinheiro dar para você pagar o transporte até o final do ano.
Nunca
tinha visto tanto dinheiro.
Não
sabia nem como agradecer, pois já havia ganhado a bolsa e agora ganhei também o
dinheiro para o transporte. Sai da diretoria com os olhos cheios de lágrimas.
Naquele
dia cheguei em casa falei com papai e entreguei o dinheiro para ele. Papai
guardou aquele dinheiro como se fosse o maior tesouro.
Na
mesma tarde fui até o vilarejo conversar com os donos de carros para conseguir
vaga.
No
dia seguinte lá estava eu, na beira da estrada aguardando o carro para me levar
ao colégio.
Toda
satisfeita junto as meninas, colegas de colégio ou de classe, que quantas vezes
passaram por mim me deixando para trás.
Talvez
nem me enxergassem, pois até no vilarejo quando eu passava por elas não me
percebiam.
A minha gratidão era tanta que despertou em
mim o desejo de ser freira. Achava o Colégio o meu paraíso. De tanto falar para
uma e para outra, certo dia a Madre Superiora veio falar comigo.
No
final do ano letivo de 1975 agendaram uma reunião com meu pai para o dia 07 de
janeiro de 1976.
Mas
meu irmão Naldo que já morava em São Paulo estava a passeio de férias conosco e
me convidou para ir morar em São Paulo.
Agora
a dúvida tomara conta do meu coração.
A
vontade de ir para o Colégio e ser freira, ou ir para São Paulo trabalhar.
Alguns
dias antes do Naldo voltar para São Paulo tomei uma decisão e falei:
Estou
disposta a ir com você meu irmão. Talvez eu não tenha vocação para ser freira.
A
passagem foi comprada para o dia 07 de Janeiro de 1976. E 07 de Janeiro seria o
dia da reunião com meu pai no Colégio Stella Maris.
Não
tive coragem para ir lá pessoalmente conversar com as freiras e viajei sem dar
nenhuma satisfação.
SÃO
PAULO E A RECONSTRUÇÃO DA minha VIDA
E dia 07 de Janeiro de 1976, estava eu
deixando papai, meu herói, meu guerreiro, meu lar paterno.
Era
com se tivesse abandonando uma formosa mansão.
Afinal
de contas, entre tantas dificuldades, mas eu era muito feliz.
Meu
coração estava muito apertado, sentia-me dividida dentro daquele ônibus.
Da
poltrona onde estava, olhando pelo vidro, sentia a tristeza de papai.
Querido
papai! Acenava chorando. Mas sabia que em São Paulo eu poderia trabalhar e
ganhar algum dinheiro e ajudá-lo.
Como
queria sair daquele ônibus correndo, abraçá-lo e voltar para sua companhia.
Como
eu queria voltar para SÃO JOSÉ DE PILOTOS EM SANTA CRUZ DA BAIXA VERDE.
Pois
foi ali que nasci e aprendi o quanto é difícil para um NORDESTINO pobre.
Nós
éramos muito pobres, mas dignos, e foi essa dignidade que nos obrigou a fazer
essa escolha.
Depois
de quase três dias de viagem, cruzando o Brasil, quase de ponta a ponta,
cheguei em São Paulo no dia 09 de Janeiro de 1976. Chovia e fazia muito frio.
Tudo era estranho, muito estranho.
Encerrava-se um ciclo da minha vida e
imediatamente iniciava-se outro. Nunca imaginei vir para São Paulo, no entanto
estava EU aqui.
Minha
mente era um amontoado de Lembranças e saudades de tudo o que deixei para trás.
Logo
no dia seguinte escrevi uma carta para Irmã Gerwicks me desculpando e falando
da minha vinda para São Paulo.
Dia
após dia, trabalhando, sentindo-me feliz. Vez em quando ajudava papai com algum
dinheiro.
Ah!
Como tinha medo quando ouvia notícias e violência. Mas pouco a pouco fui
acostumando a agitação da cidade grande.
Logo
voltei estudar e procurei melhor emprego.
Tirando
as minhas férias, viajei para visitar papai em Santa Cruz.
Quanta
saudade! Tudo continuava igual.
A
casinha simples, o velho cajueiro, que tantos frutos nos deu.
Cajueiro,
cajueiro, só eu sei o que senti, quando cheguei à sua sombra onde tantas vezes
descansei.
Cajueiro,
cajueiro, fui e demorei voltar.
Ah!
Que saudade de tudo que aqui passei.
Abraçada
a seu tronco, me vi pequenina, brincando de esconde, esconde, como fazia quando
criança.
Seu
lindo e gostoso fruto, hoje sinto o mesmo sabor.
Um
mês depois voltei à São Paulo e me correspondia com papai por carta.
Doze anos sem mamãe. Meus sonhos com ela
continuavam.
Certa
noite, sozinha em meu quarto, desliguei a televisão deitei-me, cobri-me da
cabeça aos pés e tentava dormir, mas o sono não vinha.
Entre
um pensamento e outro, senti que alguém sentava na cabeceira da minha cama e
puxava a ponta do cobertor que cobria a minha cabeça.
Na
escuridão daquele quarto, abri os olhos e vi mamãe sentada e falando comigo.
Sua voz nítida em meus ouvidos, mas seus lábios não se mexiam.
DIZIA:
“Filha! Vim aqui para falar que esta é a minha última missão aqui na terra. A
partir de hoje nunca mais você vai sonhar comigo. NUNCA MAIS,”
Assustada
e trêmula ouvia tudo que mamãe me falava. Aquela voz foi sumindo e se calou. Como
se fosse uma eterna despedida, levantou e desapareceu.
Foi
tão impressionante que demorei alguns minutos para entender que estava em
minha cama.
E
imediatamente procurei me levantar.
Foi
então que percebi que não estava sonhando. As pernas tremiam sem forças e não
consegui ir até o interruptor da luz para acender.
Aos
poucos fui tomando consciência do que me acontecera. Meu coração palpitava, eu
chorava feito uma criança.
Logo
meu irmão chegou e me vendo aos prantos ficou assustado.
Contei
o que houve.
-
“Você estava sonhando.” Falou Gino, meio desconfiado.
-
Não! Eu não estava sonhando, mamãe esteve aqui comigo. Acredite!”
Fiquei
algum tempo sem entender o que estava acontecendo. Abri a porta e sai. O céu
estava escuro, mas de repente clareou como se a lua pudesse fazer o dia. Então
meu coração acelerou de uma forma diferente. Percebi que algo muito especial
havia acontecido.
Mamãe
tinha vindo apenas para se despedir e me falar com carinho aquelas palavras.
Tive
então a certeza de que eu não tinha imaginado nada, mamãe realmente esteve
comigo.
Isto
me tranquilizou.
1977-Papai ainda em busca do seu benefício .
Por
obra do destino ou não, certo dia papai foi para Caruaru – cidade de Pernambuco-
e dentro de um ônibus quão grande foi sua surpresa quando viu aquele homem em
sua frente.
Lembra
aquele senhor que falei no início?
Imediatamente
papai o reconheceu, pelas suas características não dava para se enganar.
Ali,
a revolta tomou conta de papai. Foi em direção ao senhor e o segurou.
Depois
dessa confusão descobriu-se que esse homem havia trocado as fotos dos
documentos para tentar receber o benefício no lugar de papai.
Após
tudo isso se iniciou o processo de aposentadoria. Agora só restava esperar.
Mesmo que demorasse, agora uma réstia de esperança tomava conta de papai.
1979 papai começa receber seu benefício.
Muito feliz agora. Nesta época só o filho caçula de quatorze anos morava com
ele. Todos os outros que estavam distante ficaram felizes por saber que papai
agora tinha melhores condições e havia deixado de trabalhar na lavoura.
Quando mamãe morreu, papai nos prometeu que
enquanto tivesse um filho em sua companhia não iria casar.
E
assim fez. Eu, Gino, Naldo, Zezinho, estávamos em São Paulo. Socorro e Fátima
já estavam casadas. Cada filho lutando pelo seu sustento.
Logo
economizou algum dinheiro que deu para
compra uma casa no Vilarejo em Santa Cruz da Baixa Verde. Levou seu pai e sua
irmã Alzira para morarem lá.
O
caçula fez dezessete anos e resolveu também ir para São Paulo.
Após vinte anos viúvo, estava na hora de
arrumar uma companheira.
Papai
estava apaixonado por Da. Izabel, senhora também viúva, mãe de seis
filhos.
Alguns
já casados outros foram morar com Dona Izabel na casa de papai.
Ficamos
felizes por papai arrumar uma companheira.
Quando vivíamos na companhia de papai éramos
felizes, apesar das dificuldades e fome que passávamos.
Os
dois irmãos pequenos Naldo e Gino, trabalhando na lavoura de sol a
Sol.
Crianças que trocaram a infância pelo trabalho pesado. Trocaram os estudos pela
roça.
O RECOMEÇO ATRAVÉS DO AMOR
Em uma tarde de sábado, do mês de Julho de 1979, eu estava em uma reunião de produtos de beleza com algumas amigas na casa de Hilda. Quando sem que eu esperasse entra um moreno e "Boa tarde meninas!" Hilda logo me apresenta. Muito tímida apertei sua mão e falei meu nome.
Ele fitou meu rosto, olhando dentro dos meus olhos, enquanto eu segurava sua mão.
Abaixei meu olhar até ele falar com um sorriso de conquistador:
"É um prazer conhecer-lhe, meu nome é Luiz Carlos".
Soltou minha mão e logo foi em direção a Hilda e cochichou algo em seu ouvido.
Sentou em um banquinho ao lado da mesa e não disfarçava seu olhar em minha direção. Aquele olhar parecia me incomodar.
Enquanto o Luiz não tirava seus olhos de mim, eu desviava o meu
rosto para a mesa onde estavam os produtos de beleza.
Nesse instante Luiz levanta e dar uma volta à mesa. E chegando perto de mim passa a mão em meus cabelos.
Com isso as meninas percebem que eu fiquei vermelha, e não consegui pensar em nada para responder aquele atrevimento.
Ele riu, abaixou a cabeça e murmurou em meu ouvido.
"Posso levá-la em casa?
Na minha ingenuidade e medo, falei. - Não!
- Acabei de te conhecer...
- Bobinha! Não vou fazer mal nenhum a você.
E riu outra vez, parecia rir de mim.
Por fim Hilda fala:
Pode aceitar ele é boa gente. Já o conheço a tempo.
-Só aceito se você for junto. Falei sorrindo.
Assim aconteceu... Hilda entrou no carro comigo...
Era um fusquinha. Hilda no banco de trás, eu na frente com o Luiz.
O trajeto era pequeno. Afinal eu morava próximo dali.
Luiz, rapaz bem arrumado, falante e prestativo.
Dirigia, mas sempre me olhando, me enchendo de galanteios.
Em frente a minha casa ele parou o carro, dei tchau para Hilda e quando fui dar tchau para o Luiz ao invés de beijar meu rosto seus lábios tocaram os meus, impedindo que eu falasse qualquer coisa. Empurrei seu rosto, mas ele fingiu não perceber. Continuou beijando meus lábios de uma forma que nunca senti.
Então fechei meus olhos e me entreguei aquele beijo quente, que eu não conhecia. Mas fiquei parada, esperando que ele me soltasse falasse alguma coisa. Por alguns minutos ele me soltou, olhou para mim e sorriu. Quando olhei para Hilda, a coitada estava paralisada. Respirei fundo, concentrei-me e pedi desculpas. Antes de sair o Luiz fala; Pense em mim. Pois eu estarei sempre pensando em você.
Depois deste episódio fiquei um mês sem ver o Luiz, só sabia dele através da Hilda, pois trabalhávamos na mesma empresa.
Certo dia Hilda me convida para ir à praia com sua irmã Fátima e sua amiga Maria. De imediato falei que iria, pois não conhecia a praia. Quem iria nos levar era o Luiz.
Domingo cedinho estávamos, eu, Hilda, Fátima e Maria no carro do Luiz a caminho da praia. Fui no banco de trás com Hilda e Fátima. Maria foi na frente com o Luiz. Desde que nos beijamos não nos falamos mais.
Chegamos a praia, eu estava um pouco envergonhada coloquei meu biquíni preto. Pela primeira vez me senti mal ao lado de tanta gente tomando sol. Mas pouco a pouco fui me descontraindo.
Andando de encontro às ondas do mar, ouvi a voz suave de Luiz que surgiu atrás de mim em meio aquele barulho das ondas. Segurou minha mão e me levou para o mais fundo do mar.
Sentindo medo...Recuei.
-Não tenha medo, não vou deixar que nada lhe aconteça.
- Em meio aquelas ondas, ele me trouxe nos braços e me beijou, como havia feito no carro.
Desta vez fiquei assustada. A brusca pressão dos seus lábios me tomava o fôlego. Parece que o tempo era pouco para nós.
Sentíamos muito à vontade um com o outro e fomos dar uma volta na beira da praia. Eu tagarelava muito animada com o Luiz ao meu lado. Sua mão firme em minha cintura, me apertava sempre mais para perto dele.
Não sabia se estava fazendo a coisa certa ou errada. Só sei que estava feliz. Por alguns segundos parecíamos duas crianças passando naquelas ondas sem pensar em nada.
Passamos a tarde na beira da praia fazendo castelo de areia sem compromisso.
O dia terminara, era chegada a hora de pegar a estrada de volta.
Chegando me despedi das meninas e do Luiz.
Agora em tinha que esperar. O que passava na mente do Luiz, só ele sabia. Naquela noite não conseguia dormir. Meu pensamentos eram só no Luiz. E agora? Será que ele demoraria me procurar?
Ah! Mas, dois dias depois, quando a lua iluminava o céu, olhando pela janela vi, os faróis de um carro parado em frente a minha casa. Uma leve batida na porta.
- Sou eu...Disse o Luiz falando mansinho enquanto eu abria a porta. Meu coração acelerou, eu não estava acreditando.
Ele começou falar alguma coisa, eu toquei seus lábios e sua voz se calou em minha boca com um longo beijo.
O jeito como ele me olhava me fazia tremer. Combinamos ir ao cinema no final de semana.
Logo o Luiz foi apresentado ao meus irmãos.
Então começamos namorar...
Na minha adolescência ficava sonhando com um homem maravilhoso que chegava de não sei onde. Muitos olhavam para mim, poucos se aproximaram , mas nunca ninguém chegou tão perto do meu sonho. Somente ele...e ele chegou para que eu deixasse de sonhar e vivesse uma realidade.
Um ano de namoro e casamos. Foi assim, num passe de mágica que minha vida mudou. Entre erros e acertos, estamos juntos até hoje.
Após cinco anos de casados nasceu meu filho. Tarde do dia cinco de Fevereiro de 1985. WILLY , menino de dedos longos, sorriso lindo. E começava assim, sob a luz deste sorriso, uma história de muito amor, de conquistas, de muitas lutas e muitas vitórias.
Willy, veio ao mundo com uma missão de transformar a minha vida. Com ele aprendi melhor a ver o mundo de uma forma diferente. Com ele entendi melhor o significado da palavra AMOR.
Amamentei-o até os dois anos. Willy sempre foi uma criança muito calma. Passou pela infância tão rápido que muitas vezes cheguei a lamentar. Mas a cada etapa de sua vida, enche minha vida de esperança, de muitos planos.
Sempre tem um gesto de carinho quando me ver triste.
Filho, você é um anjo que veio ao mundo para me proteger. Com você até o sofrimento se torna fácil de suportar. Às vezes me pego pensando como seria a vida sem você.
Lembro do bebezinho que a cada dia foi crescendo e hoje se tornou um homem de verdade.
Filho... Sei que você me ama muito...Mas meu amor por você é maior que tudo. Quero que continue sempre assim. Forte, de personalidade, honestidade e atitude.
Você é a família que eu e teu pai construimos.
Saiba que eu tenho um grande amor e desse grande amor nasceu um amor maior... VOCÊ... Meu filho... Willy Baptista.
O RECOMEÇO ATRAVÉS DO AMOR
Em uma tarde de sábado, do mês de Julho de 1979, eu estava em uma reunião de produtos de beleza com algumas amigas na casa de Hilda. Quando sem que eu esperasse entra um moreno e "Boa tarde meninas!" Hilda logo me apresenta. Muito tímida apertei sua mão e falei meu nome.
Ele fitou meu rosto, olhando dentro dos meus olhos, enquanto eu segurava sua mão.
Abaixei meu olhar até ele falar com um sorriso de conquistador:
"É um prazer conhecer-lhe, meu nome é Luiz Carlos".
Soltou minha mão e logo foi em direção a Hilda e cochichou algo em seu ouvido.
Sentou em um banquinho ao lado da mesa e não disfarçava seu olhar em minha direção. Aquele olhar parecia me incomodar.
Enquanto o Luiz não tirava seus olhos de mim, eu desviava o meu
rosto para a mesa onde estavam os produtos de beleza.
Nesse instante Luiz levanta e dar uma volta à mesa. E chegando perto de mim passa a mão em meus cabelos.
Com isso as meninas percebem que eu fiquei vermelha, e não consegui pensar em nada para responder aquele atrevimento.
Ele riu, abaixou a cabeça e murmurou em meu ouvido.
"Posso levá-la em casa?
Na minha ingenuidade e medo, falei. - Não!
- Acabei de te conhecer...
- Bobinha! Não vou fazer mal nenhum a você.
E riu outra vez, parecia rir de mim.
Por fim Hilda fala:
Pode aceitar ele é boa gente. Já o conheço a tempo.
-Só aceito se você for junto. Falei sorrindo.
Assim aconteceu... Hilda entrou no carro comigo...
Era um fusquinha. Hilda no banco de trás, eu na frente com o Luiz.
O trajeto era pequeno. Afinal eu morava próximo dali.
Luiz, rapaz bem arrumado, falante e prestativo.
Dirigia, mas sempre me olhando, me enchendo de galanteios.
Em frente a minha casa ele parou o carro, dei tchau para Hilda e quando fui dar tchau para o Luiz ao invés de beijar meu rosto seus lábios tocaram os meus, impedindo que eu falasse qualquer coisa. Empurrei seu rosto, mas ele fingiu não perceber. Continuou beijando meus lábios de uma forma que nunca senti.
Então fechei meus olhos e me entreguei aquele beijo quente, que eu não conhecia. Mas fiquei parada, esperando que ele me soltasse falasse alguma coisa. Por alguns minutos ele me soltou, olhou para mim e sorriu. Quando olhei para Hilda, a coitada estava paralisada. Respirei fundo, concentrei-me e pedi desculpas. Antes de sair o Luiz fala; Pense em mim. Pois eu estarei sempre pensando em você.
Depois deste episódio fiquei um mês sem ver o Luiz, só sabia dele através da Hilda, pois trabalhávamos na mesma empresa.
Certo dia Hilda me convida para ir à praia com sua irmã Fátima e sua amiga Maria. De imediato falei que iria, pois não conhecia a praia. Quem iria nos levar era o Luiz.
Domingo cedinho estávamos, eu, Hilda, Fátima e Maria no carro do Luiz a caminho da praia. Fui no banco de trás com Hilda e Fátima. Maria foi na frente com o Luiz. Desde que nos beijamos não nos falamos mais.
Chegamos a praia, eu estava um pouco envergonhada coloquei meu biquíni preto. Pela primeira vez me senti mal ao lado de tanta gente tomando sol. Mas pouco a pouco fui me descontraindo.
Andando de encontro às ondas do mar, ouvi a voz suave de Luiz que surgiu atrás de mim em meio aquele barulho das ondas. Segurou minha mão e me levou para o mais fundo do mar.
Sentindo medo...Recuei.
-Não tenha medo, não vou deixar que nada lhe aconteça.
- Em meio aquelas ondas, ele me trouxe nos braços e me beijou, como havia feito no carro.
Desta vez fiquei assustada. A brusca pressão dos seus lábios me tomava o fôlego. Parece que o tempo era pouco para nós.
Sentíamos muito à vontade um com o outro e fomos dar uma volta na beira da praia. Eu tagarelava muito animada com o Luiz ao meu lado. Sua mão firme em minha cintura, me apertava sempre mais para perto dele.
Não sabia se estava fazendo a coisa certa ou errada. Só sei que estava feliz. Por alguns segundos parecíamos duas crianças passando naquelas ondas sem pensar em nada.
Passamos a tarde na beira da praia fazendo castelo de areia sem compromisso.
O dia terminara, era chegada a hora de pegar a estrada de volta.
Chegando me despedi das meninas e do Luiz.
Agora em tinha que esperar. O que passava na mente do Luiz, só ele sabia. Naquela noite não conseguia dormir. Meu pensamentos eram só no Luiz. E agora? Será que ele demoraria me procurar?
Ah! Mas, dois dias depois, quando a lua iluminava o céu, olhando pela janela vi, os faróis de um carro parado em frente a minha casa. Uma leve batida na porta.
- Sou eu...Disse o Luiz falando mansinho enquanto eu abria a porta. Meu coração acelerou, eu não estava acreditando.
Ele começou falar alguma coisa, eu toquei seus lábios e sua voz se calou em minha boca com um longo beijo.
O jeito como ele me olhava me fazia tremer. Combinamos ir ao cinema no final de semana.
Logo o Luiz foi apresentado ao meus irmãos.
Então começamos namorar...
Na minha adolescência ficava sonhando com um homem maravilhoso que chegava de não sei onde. Muitos olhavam para mim, poucos se aproximaram , mas nunca ninguém chegou tão perto do meu sonho. Somente ele...e ele chegou para que eu deixasse de sonhar e vivesse uma realidade.
Um ano de namoro e casamos. Foi assim, num passe de mágica que minha vida mudou. Entre erros e acertos, estamos juntos até hoje.
Após cinco anos de casados nasceu meu filho. Tarde do dia cinco de Fevereiro de 1985. WILLY , menino de dedos longos, sorriso lindo. E começava assim, sob a luz deste sorriso, uma história de muito amor, de conquistas, de muitas lutas e muitas vitórias.
Willy, veio ao mundo com uma missão de transformar a minha vida. Com ele aprendi melhor a ver o mundo de uma forma diferente. Com ele entendi melhor o significado da palavra AMOR.
Amamentei-o até os dois anos. Willy sempre foi uma criança muito calma. Passou pela infância tão rápido que muitas vezes cheguei a lamentar. Mas a cada etapa de sua vida, enche minha vida de esperança, de muitos planos.
Sempre tem um gesto de carinho quando me ver triste.
Filho, você é um anjo que veio ao mundo para me proteger. Com você até o sofrimento se torna fácil de suportar. Às vezes me pego pensando como seria a vida sem você.
Lembro do bebezinho que a cada dia foi crescendo e hoje se tornou um homem de verdade.
Filho... Sei que você me ama muito...Mas meu amor por você é maior que tudo. Quero que continue sempre assim. Forte, de personalidade, honestidade e atitude.
Você é a família que eu e teu pai construimos.
Saiba que eu tenho um grande amor e desse grande amor nasceu um amor maior... VOCÊ... Meu filho... Willy Baptista.
A Ausência DO HERÓI
19 de Novembro de 2009, Viação Gol, voo
1768, às 23h 15. Aeroporto Internacional
de Guarulhos. Eu, Gino e Roberto. Os três filhos de Tindá.
Na
hora da decolagem, minhas mãos suavam frio. Mas a vontade de estar logo ao lado
de papai superava o medo de andar de avião.
A
notícia que papai estava doente me deixou aflita. Queria sair correndo.
Duas
horas até Recife. Depois tinha que andar mais seis horas de ônibus até Serra
Talhada, onde papai estava internado, na Casa de Saúde São Vicente.
Um grande aperto em meu coração, quando
entrei na sala de UTI e vi papai nos aparelhos e sem reação nenhuma.
Segundo dia em que fui visitá-lo, a mesma
coisa. Sem melhoras nenhuma. No quinto dia de visita, nos minutos que estive ao
seu lado,fiquei conversando com ele.
Por
alguns instantes, percebi que papai começava a respirar diferente.
Assustada,
chamei a médica e perguntei o que estava acontecendo.
A
médica me respondeu que ele estava me ouvindo.
Meu
rosto se banhou em lágrimas de tanta emoção.
Havia
falado bem pertinho ao seu ouvido: Oi papai, sou Carminha, sua filha
querida. Estou aqui porque te amo muito.
Quero vê-lo bom para ouvir sua voz.
Apesar
dos seus 89 anos, papai estava bem fisicamente. Um AVC o levou para um leito de
hospital.
Enquanto
estive em Santa Cruz, todos os dias eu ia até Serra Talhada para visitá-lo.
Mas infelizmente tinha que voltar para São Paulo e deixar papai no mesmo estado que
encontrei.
Voo
1769... De volta a São Paulo. Em meu pensamento, só a imagem de papai na UTI. A
vontade de ficar ao seu lado era muito grande. Mas querer não é poder. No avião
da janela olhava as luzes das cidades que ficavam tão pequenas.
Que
viagem triste!
Quinze
dias após voltar de Pernambuco. Uma tarde de sábado, 12 de Dezembro de 2009, o
telefone toca. Do outro lado da linha Gino fala:
- Oi
irmã querida irmã! O fim chegou... Nosso
Herói não aguentou, não resistiu. Acabou... Caí em prantos, prantos que há
muito dias já havia derramado. Sua missão estava cumprida. Seu dia chegou. UM
HERÓI... UM GUERREIRO. Meu pai lutou, lutou muito, mas nem cansado estava.
Aflito, meu coração palpita, eu soluço de
ansiedade e tristeza. Tristeza de saber que nunca mais o verei.
Ninguém imagina o
IMENSO AMOR nós tínhamos por esse guerreiro.
Nunca vai
acabar... O fim nunca vai chegar.
Seu rosto
sereno... Sua pele rosada.
Meus olhos se fecham e enxergo meu velho em
minha frente. Velho, velho, mas nem ruga tinha. Para mim
ele não morreu...
Continuo sendo
sua filha querida. Certamente um dia estaremos juntos. Creio que não é preciso
que seja imediatamente. Contudo, eu serei muito feliz ao lado dele.
Um pedacinho de
mim foi embora. Pois todos os domingos eu tinha uma missão: ligar para papai,
somente para falar EU TE AMO. E ouvi-lo repetir “EU TAMBÉM TE AMO”.
E agora vou ligar
para onde? Falar com quem? Lá de onde ele estiver ele sabe que mesmo que eu
desse todo o meu amor por ele, ainda sobraria muito para continuar amando até a
eternidade.
Pergunto-me sobre a validade dos valores.
Enquanto
trabalhava na lavoura, nada tinha. Passávamos necessidade.
E depois de
trinta anos recebendo um bom salário e não deixou nada em seu nome. Nem a
primeira casa que comprou no início da sua aposentadoria quando ainda tinha
filho menor. E que morava ainda nela mesmo tendo transferido essa casa para
terceiros. E tudo o que conseguiu comprar no decorrer da vida nada estava em
seu nome.
Afinal para que explicação? Se nosso maior bem,
nosso maior tesouro já foi embora?
É uma longa história... Mas eu resumi em
algumas páginas.
NUNCA CHEGARÁ O FIM
AMOR SEMPRE PRESENTE
Dos sete filhos de Tindá, dois já
não estão nesta terra. Os outros cinco filhos, vivemos bem. Orgulhosos de ser o
que somos, pois sempre lutamos com honestidade, vivemos com humildade e
dignidade.
Amamo-nos e nos respeitamos muito.
De uma coisa
temos certeza enquanto existir AMOR entre
Os filhos de
Tindá o FIM nunca vai chegar.
Pois o que faz tudo chegar ao fim é a falta
de amor, o egoísmo, a ambição...
Todas essas
lembranças
Nunca podem morrer
Como um choro de
esperança
De um neném que
está para nascer.
São lembranças
simples que guardo
Como o cheiro de
uma flor
Nunca vou esquecer
Porque ninguém
pode matar o AMOR
COMEÇO DO FIM
Ao terminar esta história, deixo
cair uma lágrima AO SABER QUE OS DIAS PASSAM DEPRESSA.
Não se percebe que a vida também
passa. Ás vezes nem nos damos conta.
QUANDO Nos DESPERTAMOS, JÁ SE
PASSARAM MUITOS ANOS DE NOSSAS VIDAS.
E O QUE FIZEMOS? O QUE VAMOS FAZER
? QUANTA Correria Em busca de que?
Tudo chega a seu tempo. Nosso
pensamento VOA MUITO ALTO. A CADA INSTANTE MUDA DE LUGAR. Ninguém SEGURA A
TEMPESTADE QUE INVADE A NOSSA MENTE. APRENDEMOS CONTROLAR NOSSOS DESEJOS, MAS A
CADA DIA SOMOS INVADIDOS POR ANSIEDADES, ANGUSTIAS, AFLIÇÕES QUE MANTEMOS
CONSTANTEMENTE DENTRO DE NÓS.
MUITAS VEZES NÃO TEMOS FORÇAS PARA
ALIVIAR A DOR QUE SENTIMOS.
ÀS VEZES É MELHOR CALAR DO QUE
DESABAFAR. DEPENDE DE COM QUEM VOCÊ DESABAFA. MUITAS VEZES NEM ESCUTAM O QUE
VOCÊ ESTAR FALANDO. SEU LAMENTO
CALA AO VER A OUTRA PESSOA VIRAR AS COSTAS OU COMEÇAR OUTRO ASSUNTO.
QUANTA COISA NÃO OUVIMOS, QUANTA
COISA SENTIMOS MAS NÃO ENXERGAMOS.
VOCÊ PODE NÃO ENXERGAR, PODE NÃO
OUVIR, MAS JAMAIS DEIXE DE AMAR.
OBRIGADA POR LER ESTA HISTÓRIA DE AMOR E LUTA
QUE TÃO SIMPLES AQUI EU NARREI.
sobre a autora...
Maria
do Carmo de S. Baptista - sou funcionária pública do estado de São
Paulo, nasci em Triunfo PE.onde passei toda minha infância e
adolescência.
Casada há trinta e seis anos com Luiz Carlos Baptista.
Mãe de um único filho... Willy Baptista. Meu maior bem..
Meu passa tempo... Ler, escrever e ouvir música.
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